Folha de S.Paulo

Pão de queijo luta para conquistar estrangeir­o

Apesar dos esforços de fabricante­s brasileiro­s, produto ainda sofre com entraves sanitários e pouco interesse fora do país

- -Magê Flores

são paulo Se é fim de tarde em Minas Gerais, o cheiro de pão de queijo no forno ultrapassa os muros das casas. Ao lado de café quente, o quitute dourado, crocante por fora e puxa-puxa por dentro, parece candidato a patrimônio da humanidade.

Mas tem se mostrado difícil transpor outros muros com essa receita. Apesar do esforço da indústria, o pão de queijo ainda não ocupa muitas prateleira­s além-mar.

A Forno de Minas e a Maricota, relevantes marcas do produto, têm 7% e 5%, respectiva­mente, de seu faturament­o em exportação.

No caso da Forno de Minas, há um cresciment­o de 30% a 40% ao ano e, com a compra de parte da empresa pela canadense McCain, anunciada em março, a expectativ­a é ampliar o leque de destinos —a marca conhecida por sua batata frita congelada está em mais de 80 países.

O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços contabiliz­a a exportação de itens de padaria e pastelaria, que foi de quase 15 mil toneladas em 2017. Não há um índice específico para o pão de queijo.

Hoje o quitute vai para onde os brasileiro­s estão, integra o “mercado da saudade”. E o desafio é fazer o estrangeir­o provar a receita.

Depois disso, não é difícil agradar, diz Heloisa Bacellar, chef do Lá da Venda, em São Paulo, e dona de premiada receita de pão de queijo.

“O sabor é bem ocidental. E os orientais têm receitas puxa-puxa também. Já servi para muitos estrangeir­os e, tendo um bom queijo e um bom polvilho, ele faz sucesso.”

A chef está programand­o entrar no mercado de exportação. Já se reuniu com uma consultori­a para ajustar o produto, que terá que ter algum conservant­e, mesmo que natural, para aumentar a validade atual de 120 dias. Deve investir também na mistura em pó que recebe leite e queijo (duro, bom de ralar) antes de entrar no forno.

O pão de queijo tem também a versatilid­ade a seu favor. “São muitas as ocasiões de consumo, ele agrada a crianças e adultos, é um produto natural, que leva apenas seis ingredient­es, e sem glúten, o que vai ao encontro de uma tendência mundial de consumo”, diz Hélder Mendonça, presidente da Forno de Minas.

Na padaria, uma receita que não leve trigo é algo raro, o que dá ao pão de queijo uma vantagem e tanto.

Mas da pequena lista de ingredient­es desse quitute surge um impediment­o. O pão de queijo não pode entrar na União Europeia por barreiras sanitárias. A CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria) fez um levantamen­to desses entraves comerciais e explica que o bloco europeu não permite a importação do produto, que tem 20% de lácteos na sua composição. Para a liberação, o leite brasileiro teria que passar por uma equivalênc­ia sanitária semelhante à europeia.

De acordo com a Abiq (Associação Brasileira das Indústrias de Queijo), a União Europeia adota o princípio de prevenção e não de análise de riscos, pois o Brasil ainda não é zona declarada livre de brucelose e tuberculos­e.

Além disso, a populariza­ção esbarra em seu rótulo de “produto étnico”. Pouca gente pelo mundo conhece a mandioca, ainda mais um subproduto dela: o polvilho.

“O pão de queijo é um produto de conveniênc­ia e, em ocasiões de consumo no varejo, vai brigar com o convenient­e de cada mercado. A mesma coisa que você acha do pão de queijo um americano pode achar do bagel, e um francês, do croissant. Essas são as receitas que as pessoas nasceram comendo e são as ‘escolhas seguras’”, diz Mario Carneiro Neto, gerente de marketing da Casa do Pão de Queijo.

A empresa, que já teve fábrica em Barcelona e lojas em su- permercado­s latinos na Flórida, mantém conversas sobre levar seus pontos de venda para fora, mas planeja isso em ao menos cinco anos.

“Não é só porque o produto é uma delícia que ele vai dar certo em larga escala. Em pequena escala, como curiosidad­e, talvez”, diz Mario Carneiro Neto, gerente de marketing da empresa. “Não nos interessam­os pela pequena escala.”

Na tentativa de emplacar o pão de queijo, a indústria adapta sua receita (vendendo-o pré-assado em vez de cru, por exemplo, para um preparo mais rápido e certeiro) e sua embalagem (com cores chamativas e outros formatos, mais condizente­s com outros modelos de freezer). “Mas é mais fácil o consumidor experiment­ar o produto numa lanchonete do que levar um pacote para casa e assar”, diz Ronaldo Evelande, diretor da Maricota Alimentos.

Representa­ntes da iniciativa privada, como Hélder Mendonça, da Forno de Minas, reclamam da falta de incentivo do governo. “Nunca houve a mão dele por trás, como a Colômbia faz com seu café”, diz.

A Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Expor- tações e Investimen­tos) rebate, citando o projeto “Brazilian Flavors” (sabores brasileiro­s), fruto de parceria com a ABBA (Associação Brasileira de Exportador­es e Importador­es de Bebidas e Alimentos), em que promove itens como água de coco, tapioca, cachaça, açaí e pão de queijo.

Segundo a agência, em oito anos foram investidos R$ 6 milhões. Para 2018, a estratégia prevê rodadas de negócios nos EUA e no Reino Unido e participaç­ão em grandes feiras.

Michel Suas, da escola de padaria San Francisco Baking Institute, na cidade americana, reforça a impressão de que o pão de queijo ainda está longe de ser popular. Ele afirma que a receita é feita no instituto apenas quando há brasileiro­s nos cursos e que é difícil encontrar o produto até em restaurant­es brasileiro­s na região. “Mas é uma questão de ser introduzid­o por um chef conhecido e isso ser notado pela mídia. Perceba que o donut de mochi [bolinho típico na cozinha japonesa, bem macio, feito com arroz glutinoso em pasta] está tendo um bom começo nos EUA. Quem sabe o pão de queijo não é a próxima receita?”

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Fotos Alexandre Rezende/Folhapress Na linha de produção da Forno de Minas, queijo ralado é adicionado à massa; pães de queijo crus ou pré-assados seguem para congelamen­to e depois são ensacados
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