Somos radioativos, não peça propina; se pedir, nós vamos denunciar
Presidente da nova divisão da Camargo Corrêa, criada para isolar as obras pós-Lava Jato, diz que quer liderar uma transformação do setor
são paulo A Camargo Corrêa não paga mais propina. Se alguém pedir, será denunciado.
O recado é de Décio Amaral, presidente da Camargo Corrêa Infra, novo braço do grupo, criado para tocar apenas os novos projetos da empresa. Tudo o que diz respeito ao passado, incluindo a Operação Lava Jato —concessões, obras, negociações com as autoridades—, fica isolado na construtora, que é controladora da CCInfra.
“Somos radioativos, não peça propina”, diz ele, na sede da nova companhia, em São Paulo, que ainda traz as paredes brancas, à espera do logo da empresa.
Segundo o executivo, a Camargo Corrêa foi “corajosa” ao ser a primeira empresa envolvida na Lava Jato a fazer leniência. Agora, o novo braço do grupo vai liderar uma transformação no modo como o setor privado se relaciona com o governo.
Amaral defende que é preciso alterar as regras de contratação de projetos de engenharia. Propõe também a revisão do chamado aditivo aos contratos —adicionais ao preço original que permitem aumentos de até 25% nos custos das obras já em andamento.
“Dá para tolerar variações entre 10% e 15%. Mas muita gente faz o quê no mercado? Pega o preço certo, dá 25% de desconto e depois vê o que faz. A gente não quer isso”, afirma o executivo.
Para Amaral, o Brasil não precisa de novas leis para acabar com a corrupção —bastaria acabar com o corruptor. E faz uma convocação: “Convido toda a liderança empresarial do Brasil a fazer como a gente. Aqui não tem corruptor. Se todo o mundo do setor privado agir como a gente, não precisa de lei nenhuma”.
Como foi receber a notícia das denúncias e prisões?
Foi um baque enorme. Naquele momento, a sociedade carimbava todo o mundo. Muitas pessoas disseram: “Você tem que sair do grupo”. Eu pensei: não preciso. Não estou fazendo nada de errado, nunca recebi pressão para fazer nada de errado. Minha família sempre entendeu e sabe bem o que faço e o que não faço. Ficou até feliz, “o papai vai ajudar a mudar o Brasil”. E vou trabalhar para que isso aconteça.
O que seria essa nova visão?
Somos uma empresa relevante no cenário brasileiro, importante na infraestrutura. Podemos ser um agente de transformação. A gente quer mudar a forma como o setor privado se relaciona com o setor público —uma forma mais transparente, produtiva e profissional. Tem que mudar também porque o grande cliente nosso no futuro vai ser privado. Quando se fala de empresas privadas, a exigência é muito mais alta.
Mas como se faz isso na prática?
A primeira coisa é entender que não pode contratar engenharia pelo menor preço. Isso é uma barbaridade.
No investimento total, a engenharia custa de 3% a 5%, mas uma má engenharia pode fazer com que o todo do projeto fique até 30% mais caro. A coisa tem que começar direito.
Além disso, a lei ainda permite o famoso aditivo de 25% [percentual adicional no custo original, por causa de algum problema imprevisto], com as obras já iniciadas. A gente é contra.
Se você faz um bom projeto, por que vai ter um cheque em branco de 25%? Um bom projeto básico deveria tolerar variações de quantidade entre 10% e 15%. Muita gente faz o quê no mercado? Pega o preço certo, dá 25% de desconto e depois vê o que faz. A gente não quer isso.
Opor-se ao aditivo é uma atitude completamente contrária ao que vem ocorrendo no setor nos últimos 20 anos. Sempre se disse que imprevistos acontecem. Eu não trabalhei nesse setor nos últimos 20 anos. Cheguei agora. Sou radicalmente contra. Eu abro mão de contrato se perceber que vai ter aditivo lá na frente. Outra coisa importante é a participação mais ativa das seguradoras. É o modelo americano: na contratação pública, você tem que ter uma seguradora que precisa assinar como interveniente do contrato. Se der problema, cabe à seguradora entrar para fazer e acontecer. Isso é fundamental. Se uma seguradora precisa garantir, vai fazer uma diligência muito mais aprofundada na empresa e no projeto.
O que ficou claro nas investigações é que tem também a cobrança de propina para dar a dianteira à empresa. Como resolve isso?
Na nossa agenda da tolerância zero, há alguns pilares. O básico, que é o sistema de detecção. Isso é obrigação mínima. Se a companhia sofrer qualquer dano de imagem ou financeiro, por algo que foi feito de forma irregular que não capturei pelo sistema de denúncia, ninguém ganhará remuneração variável na empresa. Zero para todo o mundo. Não pode mais.
Alguém já pediu propina para vocês depois da Lava Jato?
Não. E, se pedir, nós vamos armar um esquema e vamos denunciar. Bota bem grande aí: se pedir, nós vamos denunciar. Nós somos radioativos, não peça propina.
O mercado, depois de passar por tudo isso, extirpou a propina?
Não vou ser ingênuo de achar que o Brasil mudou do dia para a noite e também não vou ser ingênuo de dizer que está limitado a esse setor, todos somos brasileiros e sabemos como isso funciona.
Não precisamos de mudança de lei para acabar com a corrupção, porque, para ter corrupto, tem corruptor. Aqui não tem corruptor. Eu não transfiro a responsabilidade para os outros. Se todo o mundo do setor privado agir como a gente, não precisa de lei nenhuma. Convido toda a liderança empresarial do Brasil a fazer como a gente.
Quantas obras públicas vocês têm hoje?
Hoje são cinco. A gente não tem nenhum preconceito com o setor público, mas há alguns critérios para participar. O primeiro critério é que o ente público tenha uma governança minimamente adequada. O segundo, mais importante, é financiamento garantido. E a gente prefere que seja internaci- onal, porque impõe um nível de governança maior.
Quanto a empresa encolheu após os escândalos?
Encolheu muito. No pico anterior à Lava Jato, em 2013, chegamos a ter 60 mil funcionários [em todo o grupo], entre obras próprias e em consórcio. Antes da separação das duas empresas estávamos [os dois braços de construção] perto de 13 mil. Foi uma redução expressiva.
Como está a relação com o BNDES?
Nós não temos nenhum problema no BNDES. Estamos com o cadastro absolutamente positivo. Hoje não temos nenhuma necessidade de captação, mas estamos liberados em todos os bancos. A empresa tem um endividamento baixíssimo, hoje deve estar com R$ 121 milhões, e a gente termina o ano com R$ 60 milhões de dívida, basicamente de financiamento de equipamentos.
Como foi a reestruturação?
Percebemos que tinha uma necessidade de sistematizar a colaboração quando assinamos o acordo de leniência com o Ministério Público. A outra agenda era preparar o futuro da empresa, renovar as lideranças. Quando percebemos que a empresa tinha conseguido organizar isso, pensamos: bom, agora são duas agendas diferentes, porque essa colaboração com as autoridades a gente não sabe se resolve em um mês ou cinco anos —e temos que olhar para o futuro. Decidimos separar essas coisas, de maneira supertransparente.
A gente não quer caracterizar esvaziamento econômico, então a nova empresa é subsidiária integral, qualquer resultado que gerar aqui sobe para a empresa de cima, de modo que, se não tiver condições de pagar suas contas, vai pagar com esse dividendo. Não tem curto-circuito. E vamos manter o nome, a gente não quer jogar nada para debaixo do tapete. A gente não se orgulha do erro, mas se orgulha da forma que reagimos ao erro. Foi muito corajoso ser a primeira grande construtora a fazer leniência com legislação nova ainda não estabilizada.
Vocês pretendem trazer sócios?
Eu tenho essa liberdade, se achar que é melhor para distribuir resultado. Não tenho dúvida hoje de que pelo menos no nível de projetos isso vai ser importante e necessário. Dependendo do tamanho da obra, não tenho mais balanço para ir sozinho.
Preciso de parceiros. Não estou imaginando no curto prazo uma associação entre as brasileiras. Todo o mundo ficou meio magoado com o que aconteceu. Já estamos olhando parcerias internacionais para obras relevantes no Brasil. Se isso no futuro virá a ter uma associação em termos de equity [capital], não há problema, o negócio tem autonomia.
Como está a negociação com o TCU (Tribunal de Contas da União) para a leniência?
Esse é o foco da construtora. O que posso dizer é que desde o primeiro dia após o acordo a gente iniciou as tratativas. Era algo novo para todos, para nós e para eles. As tratativas nunca foram interrompidas. Estou otimista com que até meados do ano a gente consiga um acordo com os órgãos que faltam [Ministério da Transparência, Advocacia-Geral da União e TCU].
Os empresários foram punidos, mas os políticos não são na mesma velocidade. Tem espaço para mudanças efetivas se a punição é desigual?
O Brasil está aprendendo a descolar economia e política. O tempo da política é um, o da economia, outro. O que temos de exigir dos candidatos é que façam reformas e ajuste fiscal e deixem a economia rodar. Isso já é um consenso.