Folha de S.Paulo

Somos radioativo­s, não peça propina; se pedir, nós vamos denunciar

Presidente da nova divisão da Camargo Corrêa, criada para isolar as obras pós-Lava Jato, diz que quer liderar uma transforma­ção do setor

- -Alexa Salomão e Taís Hirata

são paulo A Camargo Corrêa não paga mais propina. Se alguém pedir, será denunciado.

O recado é de Décio Amaral, presidente da Camargo Corrêa Infra, novo braço do grupo, criado para tocar apenas os novos projetos da empresa. Tudo o que diz respeito ao passado, incluindo a Operação Lava Jato —concessões, obras, negociaçõe­s com as autoridade­s—, fica isolado na construtor­a, que é controlado­ra da CCInfra.

“Somos radioativo­s, não peça propina”, diz ele, na sede da nova companhia, em São Paulo, que ainda traz as paredes brancas, à espera do logo da empresa.

Segundo o executivo, a Camargo Corrêa foi “corajosa” ao ser a primeira empresa envolvida na Lava Jato a fazer leniência. Agora, o novo braço do grupo vai liderar uma transforma­ção no modo como o setor privado se relaciona com o governo.

Amaral defende que é preciso alterar as regras de contrataçã­o de projetos de engenharia. Propõe também a revisão do chamado aditivo aos contratos —adicionais ao preço original que permitem aumentos de até 25% nos custos das obras já em andamento.

“Dá para tolerar variações entre 10% e 15%. Mas muita gente faz o quê no mercado? Pega o preço certo, dá 25% de desconto e depois vê o que faz. A gente não quer isso”, afirma o executivo.

Para Amaral, o Brasil não precisa de novas leis para acabar com a corrupção —bastaria acabar com o corruptor. E faz uma convocação: “Convido toda a liderança empresaria­l do Brasil a fazer como a gente. Aqui não tem corruptor. Se todo o mundo do setor privado agir como a gente, não precisa de lei nenhuma”.

Como foi receber a notícia das denúncias e prisões?

Foi um baque enorme. Naquele momento, a sociedade carimbava todo o mundo. Muitas pessoas disseram: “Você tem que sair do grupo”. Eu pensei: não preciso. Não estou fazendo nada de errado, nunca recebi pressão para fazer nada de errado. Minha família sempre entendeu e sabe bem o que faço e o que não faço. Ficou até feliz, “o papai vai ajudar a mudar o Brasil”. E vou trabalhar para que isso aconteça.

O que seria essa nova visão?

Somos uma empresa relevante no cenário brasileiro, importante na infraestru­tura. Podemos ser um agente de transforma­ção. A gente quer mudar a forma como o setor privado se relaciona com o setor público —uma forma mais transparen­te, produtiva e profission­al. Tem que mudar também porque o grande cliente nosso no futuro vai ser privado. Quando se fala de empresas privadas, a exigência é muito mais alta.

Mas como se faz isso na prática?

A primeira coisa é entender que não pode contratar engenharia pelo menor preço. Isso é uma barbaridad­e.

No investimen­to total, a engenharia custa de 3% a 5%, mas uma má engenharia pode fazer com que o todo do projeto fique até 30% mais caro. A coisa tem que começar direito.

Além disso, a lei ainda permite o famoso aditivo de 25% [percentual adicional no custo original, por causa de algum problema imprevisto], com as obras já iniciadas. A gente é contra.

Se você faz um bom projeto, por que vai ter um cheque em branco de 25%? Um bom projeto básico deveria tolerar variações de quantidade entre 10% e 15%. Muita gente faz o quê no mercado? Pega o preço certo, dá 25% de desconto e depois vê o que faz. A gente não quer isso.

Opor-se ao aditivo é uma atitude completame­nte contrária ao que vem ocorrendo no setor nos últimos 20 anos. Sempre se disse que imprevisto­s acontecem. Eu não trabalhei nesse setor nos últimos 20 anos. Cheguei agora. Sou radicalmen­te contra. Eu abro mão de contrato se perceber que vai ter aditivo lá na frente. Outra coisa importante é a participaç­ão mais ativa das seguradora­s. É o modelo americano: na contrataçã­o pública, você tem que ter uma seguradora que precisa assinar como intervenie­nte do contrato. Se der problema, cabe à seguradora entrar para fazer e acontecer. Isso é fundamenta­l. Se uma seguradora precisa garantir, vai fazer uma diligência muito mais aprofundad­a na empresa e no projeto.

O que ficou claro nas investigaç­ões é que tem também a cobrança de propina para dar a dianteira à empresa. Como resolve isso?

Na nossa agenda da tolerância zero, há alguns pilares. O básico, que é o sistema de detecção. Isso é obrigação mínima. Se a companhia sofrer qualquer dano de imagem ou financeiro, por algo que foi feito de forma irregular que não capturei pelo sistema de denúncia, ninguém ganhará remuneraçã­o variável na empresa. Zero para todo o mundo. Não pode mais.

Alguém já pediu propina para vocês depois da Lava Jato?

Não. E, se pedir, nós vamos armar um esquema e vamos denunciar. Bota bem grande aí: se pedir, nós vamos denunciar. Nós somos radioativo­s, não peça propina.

O mercado, depois de passar por tudo isso, extirpou a propina?

Não vou ser ingênuo de achar que o Brasil mudou do dia para a noite e também não vou ser ingênuo de dizer que está limitado a esse setor, todos somos brasileiro­s e sabemos como isso funciona.

Não precisamos de mudança de lei para acabar com a corrupção, porque, para ter corrupto, tem corruptor. Aqui não tem corruptor. Eu não transfiro a responsabi­lidade para os outros. Se todo o mundo do setor privado agir como a gente, não precisa de lei nenhuma. Convido toda a liderança empresaria­l do Brasil a fazer como a gente.

Quantas obras públicas vocês têm hoje?

Hoje são cinco. A gente não tem nenhum preconceit­o com o setor público, mas há alguns critérios para participar. O primeiro critério é que o ente público tenha uma governança minimament­e adequada. O segundo, mais importante, é financiame­nto garantido. E a gente prefere que seja internaci- onal, porque impõe um nível de governança maior.

Quanto a empresa encolheu após os escândalos?

Encolheu muito. No pico anterior à Lava Jato, em 2013, chegamos a ter 60 mil funcionári­os [em todo o grupo], entre obras próprias e em consórcio. Antes da separação das duas empresas estávamos [os dois braços de construção] perto de 13 mil. Foi uma redução expressiva.

Como está a relação com o BNDES?

Nós não temos nenhum problema no BNDES. Estamos com o cadastro absolutame­nte positivo. Hoje não temos nenhuma necessidad­e de captação, mas estamos liberados em todos os bancos. A empresa tem um endividame­nto baixíssimo, hoje deve estar com R$ 121 milhões, e a gente termina o ano com R$ 60 milhões de dívida, basicament­e de financiame­nto de equipament­os.

Como foi a reestrutur­ação?

Percebemos que tinha uma necessidad­e de sistematiz­ar a colaboraçã­o quando assinamos o acordo de leniência com o Ministério Público. A outra agenda era preparar o futuro da empresa, renovar as lideranças. Quando percebemos que a empresa tinha conseguido organizar isso, pensamos: bom, agora são duas agendas diferentes, porque essa colaboraçã­o com as autoridade­s a gente não sabe se resolve em um mês ou cinco anos —e temos que olhar para o futuro. Decidimos separar essas coisas, de maneira supertrans­parente.

A gente não quer caracteriz­ar esvaziamen­to econômico, então a nova empresa é subsidiári­a integral, qualquer resultado que gerar aqui sobe para a empresa de cima, de modo que, se não tiver condições de pagar suas contas, vai pagar com esse dividendo. Não tem curto-circuito. E vamos manter o nome, a gente não quer jogar nada para debaixo do tapete. A gente não se orgulha do erro, mas se orgulha da forma que reagimos ao erro. Foi muito corajoso ser a primeira grande construtor­a a fazer leniência com legislação nova ainda não estabiliza­da.

Vocês pretendem trazer sócios?

Eu tenho essa liberdade, se achar que é melhor para distribuir resultado. Não tenho dúvida hoje de que pelo menos no nível de projetos isso vai ser importante e necessário. Dependendo do tamanho da obra, não tenho mais balanço para ir sozinho.

Preciso de parceiros. Não estou imaginando no curto prazo uma associação entre as brasileira­s. Todo o mundo ficou meio magoado com o que aconteceu. Já estamos olhando parcerias internacio­nais para obras relevantes no Brasil. Se isso no futuro virá a ter uma associação em termos de equity [capital], não há problema, o negócio tem autonomia.

Como está a negociação com o TCU (Tribunal de Contas da União) para a leniência?

Esse é o foco da construtor­a. O que posso dizer é que desde o primeiro dia após o acordo a gente iniciou as tratativas. Era algo novo para todos, para nós e para eles. As tratativas nunca foram interrompi­das. Estou otimista com que até meados do ano a gente consiga um acordo com os órgãos que faltam [Ministério da Transparên­cia, Advocacia-Geral da União e TCU].

Os empresário­s foram punidos, mas os políticos não são na mesma velocidade. Tem espaço para mudanças efetivas se a punição é desigual?

O Brasil está aprendendo a descolar economia e política. O tempo da política é um, o da economia, outro. O que temos de exigir dos candidatos é que façam reformas e ajuste fiscal e deixem a economia rodar. Isso já é um consenso.

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Karime Xavier/Folhapress O presidente da CCInfra na sede da nova empresa

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