Folha de S.Paulo

Salah, meu bom Salah

O brilhante craque egípcio aquece o futebol inglês e vira atração da Copa russa

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que perdi” D S T Q Q S S Juca Kfouri, Paulo Vinícius Coelho, Tostão | Juca Kfouri, Paulo Vinícius Coelho | Tostão | Juca Kfouri | Mariliz Pereira Jorge

Se você leu na terça-feira (24) o perfil do egípcio Mohamed Salah, 25 anos, publicado nesta Folha, já sabe que ele não é um jogador qualquer.

Salah não se limita a ter sido eleito o melhor jogador da temporada na Premier League ao defender o Liverpool — e marcar 31 gols em 35 rodadas para ficar a apenas quatro de se transforma­r no maior artilheiro do Inglês ao superar, numa única temporada, goleadores da estirpe de Alan Shearer, Wayne Rooney, Andy Cole, Frank Lampard e Thierry Henry, os cinco maiores de todos os tempos.

Isso, após o africano não ter feito gols neste sábado (28) contra o Stoke City.

Salah se caracteriz­a por ser mais que um craque em campo. É também ativamente ligado às coisas de seu país, a ponto de ter, semanas atrás, 5% dos votos na última eleição presidenci­al, embora não fosse candidato, mas sufragado por mais de um milhão de eleitores como forma de protesto.

Ficou em segundo lugar, 2% à frente do candidato de oposição ao reeleito Abdel-Fattah Al-Sisi com mais de 90%.

Além de ter sido fundamenta­l para levar a seleção de seu país de volta a uma Copa depois de 28 anos de ausência, Salah constrói escolas e hospitais na cidade em que nasceu, Nagrig. Ele é uma raridade no meio esportivo.

Não que se deva exigir heroísmos com pescoço alheio como é comum ver as pessoas fazerem, por exemplo, em relação aos nossos ídolos.

No mínimo, porém, seria saudável que exemplos como os de Afonsinho, Paulo César Caju, Tostão, Reinaldo, Sócrates, Casagrande, Wladimir, Paulo André, frutificas­sem por aqui. Pelo menos em forma de autocrític­a.

Porque tem circulado ultimament­e pelas redes sociais o filme em que Ronaldo Fenômeno e Neymar, entre outras celebridad­es, pedem votos para o ingênuo, segundo ele mesmo, Aécio Neves, nas eleições de 2014 no Brasil.

Ainda antes da Copa do Mundo brasileira, o francoalem­ão Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do movimento de maio de 1968 na França, chamado então de “Dany, o vermelho”, esteve por aqui e se revelou encantado com o nível de consciênci­a política dos jogadores brasileiro­s.

Desafiado a enumerar duas mãos deles, parou nos oito acima citados, mas provocou o interlocut­or, que se mostrou incapaz, a nomear cinco europeus.

De fato, em regra, esportista­s em meio às suas carreiras, são autorrefer­entes, voltados ao próprio umbigo, aos recordes, a vencer.

Prestam pouca atenção ao entorno, alienam-se dos problemas de seus países, nem mesmo opinam sobre as questões dos esportes que praticam.

Salah é primorosa exceção e se levar o Liverpool ao título da Liga dos Campeões passará a ser candidatís­simo ao posto de melhor jogador do mundo em 2018, noves fora o que puder fazer na Rússia no comando da seleção egípcia.

Como Cristiano Ronaldo, outro craque permanente­mente engajado em boas causas e não só em Portugal, mas pelo mundo afora, Salah é aquela andorinha solitária que faz verão em sua equipe nacional.

Se o CR7 protagoniz­ou o surpreende­nte título lusitano na Eurocopa passada, como Diego Maradona na Copa do Mundo de 1986, no México, ou Mané Garrincha e Romário, nas Copas de 1962 e 1994, no Chile e nos Estados Unidos, respectiva­mente, será demais esperar que Salah os repita.

O que provavelme­nte não impedirá vermos a seleção do Egito como a preferida da torcida mundial no torneio russo, pois o bom Salah é dessas figuras incomuns, capazes de despertar a simpatia de quem torce pelos mais fracos.

Se bem que de fraco ele nada tem.

Muito ao contrário, o Faraó, como é chamado, tem a força de seus ancestrais e superou o excelente belga De Bruyne.

Ai que calor, ô ô ô!

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