Folha de S.Paulo

Nosso sindicalis­mo é uma vergonha

- Roberto Dias roberto.dias@grupofolha.com.br

são paulo “Vocês falaram mal do acampament­o, tu vai lá para onde tá o carro da polícia.”

Quem diz isso é o presidente do Sindicato dos Jornalista­s do RS, Milton Simas. Vestido com camiseta do MST, ele está no acampament­o Marisa Letícia, em Curitiba, onde pessoas que defendem o ex-presidente Lula foram alvo de atentado a tiros no sábado passado (28).

Seu interlocut­or é o repórter de televisão Marc Sousa. “Vocês são do SBT”, diz Simas. “Não, da Record”, responde o repórter. O erro de informação não lhe importou: “Acho que a imprensa tá toda junto no golpe”. O que o sindicalis­ta queria mesmo era advertir: “Sou jornalista, teu colega, tô te avisando que é para preservar tua integridad­e. Pro teu bem”.

O vídeo é constrange­dor. Como tudo é possível neste mundo, a coisa ficou ainda pior quando Simas resolveu se explicar, noutro vídeo.

Dizendo defender “a liberdade de expressão e o livre exercício da profissão” —exatamente o contrário do que praticou—, ele afirmou que a CUT ajudou a bancar a viagem e recorreu a argumentos tão ou mais absurdos para explicar sua atitude.

“Fizemos cursos [sobre] como nós profission­ais jornalista­s devemos trabalhar em pautas de risco”, disse ao justificar seu “aviso” em Curitiba. Ele acha que estava em pauta? Ou que é chefe do repórter?

“Ressalto aqui que não tinha nenhum representa­nte do sindicato dos jornalista­s daquele estado [PR]”, afirmou. E deveria? Por qual motivo?

Simas é só um sintoma. Vale lembrar a nota do Sindicato dos Jornalista­s de SP na prisão de Lula, culpando as empresas pelas agressões a seus profission­ais, para ver como o problema está enraizado.

As fragilidad­es do sindicalis­mo obviamente atravessam profissões. Ficam por demais evidentes quando vistas dentro da sua. Gente que usa o dinheiro que deveria defender uma categoria para fazer política. O sindicalis­mo adora culpar todo mundo por seu enfraqueci­mento —mas ele é que enfraquece a si próprio.

Isso significa que juízes, promotores, governador­es, prefeitos e até os ministros de Michel Temer terão direito a foro especial, mesmo que tenham cometido crimes antes de assumirem seus cargos e mandatos. Seria a “suruba selecionad­a” que o senador Romero Jucá (MDB-RR) citou ao cobrar o fim do privilégio para outras autoridade­s.

Sem o costume de legislar, o STF deixa buracos ao improvisar uma nova emenda constituci­onal. Em que tribunal será julgado o senador que cometeu crime no cargo de governador? E o governador que praticou um delito quando era deputado?

Até agora, a perspectiv­a é de uma “grande bagunça”, como resumiu Gilmar Mendes. Julgadores diferentes poderão interpreta­r as regras de maneiras diversas, e o STF será chamado para dirimir novas dúvidas.

Para reformar o sistema do foro especial, é necessário mudar a Constituiç­ão —e só o Congresso poderá fazer isso. Improvisar remendos para “dar uma resposta à sociedade” não resolverá o problema.

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