Folha de S.Paulo

O santo do prostíbulo

- Marco Aurélio Canônico marco.canonico@grupofolha.com.br

que provoca discussões metafísica­s sem fim —quando o autoelogio, por exemplo, se transforma num pedido de voto?

Saem ganhando com isso não os eleitores, mas aqueles que querem atravancar e judicializ­ar a disputa, dado que se torna quase impossível que candidatos, e mesmo cidadãos, não acabem por violar algum dispositiv­o da norma.

Definem-se até mesmo a área máxima e o material dos adesivos de propaganda que o militante pode afixar na janela de sua casa.

Pior, os mandamento­s da Lei Eleitoral não raro conflitam com princípios e regras da Constituiç­ão. A Carta afirma que parlamenta­res são inviolávei­s por suas opiniões e palavras, mas a legislação específica na prática limita o que um deputado ou senador pode dizer sem sofrer algum tipo de sanção.

Uma vez que será preciso nos próximos anos proceder a uma reforma política de maior fôlego, os legislador­es deveriam aproveitar a ocasião para simplifica­r tais regulament­os. A Justiça Eleitoral não deve ser protagonis­ta do processo, mas um mero coadjuvant­e que só interfere em situações graves. rio de janeiro Secretário de segurança do Rio durante um dos governos mais corruptos de sua história, o de Sérgio Cabral, o gaúcho José Mariano Beltrame sempre foi visto como um homem bem-intenciona­do e honesto —tanto por gente da área como pela imprensa e, consequent­emente, pela população.

“Mariano era honesto? Sim. Casa de prostituiç­ão sempre tem um santo enfeitando”, disse-me um delegado da Polícia Civil fluminense em conversa há dois meses. Comandando a segurança do estado de 2007 a 2016, Beltrame teve cacife para acabar com o casuísmo político nas nomeações para as polícias Militar e Civil.

Seus resultados foram questionad­os; sua integridad­e, quase nunca. A exceção foi o processo por improbidad­e administra­tiva que sofreu em 2015, por compra de carros para a PM.

Por isso causou tamanha celeuma a acusação feita pelo economista Carlos Miranda, um dos operadores do esquema de propinas do governo Cabral, em sua delação premiada, revelada pelo jornal O Globo. Segundo ele, Beltrame recebia uma mesada de R$ 30 mil, pagos de modo ainda não bem explicado.

Logo depois da publicação da reportagem, vozes como a do antropólog­o e ex-secretário de segurança do Rio Luiz Eduardo Soares saíram em defesa de Beltrame. É possível mesmo que a denúncia tenha sido “fabricada por alguém que está coagido”, como afirmou o acusado em sua nota de defesa.

Trocar alguns anos de cadeia pela incriminaç­ão de figurões parece sempre uma boa oportunida­de para delatores como Miranda, mas as acusações precisam ser provadas, ou a delação cai.

Oxalá a denúncia contra Beltrame se mostre falsa: a confirmaçã­o das acusações cristaliza­ria a (falsa) impressão popular de que ninguém sério e honesto se mete com governos e políticos. Mas ele não pode reclamar de ter sido enlameado, dado que andou com os porcos por tanto tempo.

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