Quilombos citados por Bolsonaro rebatem crítica
Comunidade no interior de SP refuta pecha de improdutiva; acusação motivou denúncia contra deputado, acusado de racista
eldorado (sp) Líderes quilombolas de Eldorado (a 269 km de SP) dizem que nunca ouviram falar de visita do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ).
Mas o presidenciável fala publicamente que esteve, sim, em um quilombo no município e viu pessoas que “não fazem absolutamente nada”.
“Eu fui em Eldorado paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Nem para procriador ele serve mais”, disse em palestra no Rio, um ano atrás.
“Mais de R$ 1 bilhão por ano gasto com eles”, disse na ocasião, para reforçar sua promessa de que, se eleito presidente, “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”.
As afirmações levaram a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a denunciálo ao STF neste mês sob acusação de crime de racismo.
Em Eldorado, onde há 11 quilombos, a fala de Bolsonaro associando-os à improdutividade deixou moradores enfurecidos.
A Folha esteve na quintafeira (26) na cidade do Vale do Ribeira, região com várias dessas comunidades de descendentes de escravos. São 66 áreas, que foram ocupadas entre os séculos 16 e 19 e viraram patrimônio cultural.
Procurada, a assessoria de Bolsonaro não disse em qual quilombo ele esteve ou quando isso ocorreu.
“Aqui ele nunca veio”, diz Benedito Alves da Silva, 63, o Ditão, um dos líderes de Ivaporunduva, principal comunidade da região. “Por trás dessa fala dele tem o racismo e o interesse econômico”, afirma.
Consultados, representantes de outros sete quilombos dizem também não ter conhecimento da presença do político em seus territórios.
“Nem gosto de ouvir falar dele. Para mim, é ‘Bostonaro’”, reage Débora da Silva Almeida, 38, produtora rural em São Pedro. Sua comunidade, como outras quilombolas, aposta na plantação de bananas. A fruta é o principal produto agrícola do entorno.
O cultivo de palmito pupunha e as roças de arroz, feijão e mandioca, além do artesanato e do turismo, também são importantes fontes de renda.
“Quando uma pessoa fala de século 16 (mais antigo da região) 120 famílias (cerca de 300 pessoas) plantação de banana, turismo R$ 1 milhão (por ano) para a associação, valor repartido entre membros 3.158 hectares “Eu fui em um quilombola [termo correto é quilombo] em Eldorado paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Nem para procriador ele serve mais”
“Se depender de mim [...]não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”
“Eu gostaria que a ilustríssima senhora [procuradorageral da República] Raquel Dodge nos acompanhasse neste quilombo que eu fui, em Eldorado paulista, para ver o desperdício de recursos, maquinários abandonados. Eles não fazem absolutamente nada” com ela, é com os grandes bananicultores. “Eles priorizam a monocultura. Já os quilombos têm diversidade, porque também produzem para o consumo próprio”, afirma.
As 11 comunidades do município têm certificação, mas nem todas têm a posse de seus territórios. Com o reconhecimento, os grupos podem buscar apoio dos governos municipal, estadual e federal, por meio de programas, financiamentos públicos e editais.
No último dia 22, comentando a denúncia da PGR contra ele, Bolsonaro insistiu que quilombos são improdutivos.
“Eu gostaria que a ilustríssima senhora Raquel Dodge nos acompanhasse —tem que ser nesta semana, semana que vem não vale mais— neste quilombo que eu fui, em Eldorado paulista, para ver o desperdício de recursos, maquinários abandonados”, disse ele em entrevista à Band.
Moradores da região mencionada rebatem a informação sobre equipamentos parados. Dizem que nem sequer têm muitas máquinas, já que são agricultores de pequeno porte e o trabalho é mais braçal.
Eles tampouco concordam com a constatação do presidenciável de que pesa “sete arrobas” a pessoa mais magra na localidade onde ele esteve.
Não há notícia, segundo as lideranças ouvidas pela Folha, de que em algum quilombo da região os moradores ultrapassem os 105 kg equivalentes à conta do deputado.
“Não existe nada disso que ele falou”, diz Noel Castelo da Costa, 49, liderança da comunidade Abobral. “Se ele viu alguém à toa, pode ser que ele tenha ido em algum fim de semana. E aí as pessoas descansam mesmo, é um direito.”
O parlamentar, na entrevista à Band, afirmou que tem “imunidade total por quaisquer palavras, opiniões e votos”.
Moradores da região descartam voto no deputado em outubro
João Santos Rosa, 76, aponta as plantas que cultiva na beira do rio Ribeira, na comunidade quilombola Sapatu. Banana, milho, feijão, inhame, cana.
“É para [o consumo] dentro de casa e também para mostrar a plantação para os turistas que passam”, diz ele, que vive em uma casa às margens da rodovia com a mulher, Esperança Rosa, 72. Ela vende numa barraca as peças de artesanato que faz com palha de bananeira (descansos de panela a R$ 10, carteiras a R$ 25). O casal quilombola não sabe em quem vai votar para presidente em outubro, mas sabe que não será em Bolsonaro.
“Como pode uma pessoa que é daqui de Eldorado ficar maltratando os quilombolas, chamando de vagabundo?”, indaga ela. “Eu me criei na roça. Não posso aceitar uma coisa dessa”, afirma ele.
Na eleição de 2014, Dilma Rousseff (PT) foi a candidata mais votada no município nos dois turnos. Ela levou 54% dos votos no segundo turno, ante 45% de Aécio Neves (PSDB).
“Infelizmente, a gente escuta gente na cidade falando que vai votar nele [Bolsonaro]”, diz Osmar de Almeida, 53, da comunidade Engenho. “Mas nos quilombos acho que ele não tem apoio. No meu não se fala em votar nele não.”
Almeida, como outros vizinhos, diz esperar uma definição sobre a candidatura do expresidente Lula. “Ninguém sabe quem o PT vai lançar. Mas aqui em Eldorado se encontra eleitor do Geraldo Alckmin, da Marina [Silva], do Bolsonaro.”