Folha de S.Paulo

Prédios invadidos acumulam perigos em série

Esqueleto vizinho da praça da Sé está entre casos emblemátic­os sob risco em SP, assim como edifício de 24 andares que desabou

- -Fabrício Lobel e Jairo Marques Colaborara­m Joana Cunha e Paulo Gomes

são paulo Na rua do Carmo, ao lado da praça da Sé, centro de São Paulo, o guardador de motos Wanderson Bispo, 19, ficou intrigado com os pedestres que passaram a parar na calçada e a observar o edifício invadido onde ele mora.

“Até ontem ninguém via esse prédio. Agora, todo mundo para e fica olhando”, afirma.

Wanderson se refere ao súbito interesse gerado pela segurança de prédios invadidos por sem-teto depois do incêndio seguido de desabament­o de um edifício de 24 andares no largo do Paissandu, na madrugada de terça-feira (1º).

O endereço onde vive Wanderson é um esqueleto de um prédio particular —também com 24 andares— que ficou no meio do caminho entre a construção e a sua ruína. Se tivesse sido concluído, deveria ser um edifício-garagem.

Onde existem, as paredes são de tijolos expostos que não chegam a fechar completame­nte um andar. As pilastras estão tão desgastada­s que deixam aparecer as vigas de metal que as sustentam.

Tábuas e pedaços de madeira completam a fachada, e as escadas entre os andares também são de madeira —material combustíve­l em incêndios.

“Eu tenho medo. Mas agora no tempo seco esse prédio não cai. O perigo é quando começa a chover e caem alguns pedaços da laje”, diz Wanderson.

O prédio é só um dos 70 invadidos que deverão ser vistoriado­s por uma força-tarefa anunciada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) após a queda do edifício ocupado por semteto do largo do Paissandu.

O pente fino deve começar na segunda (7) e durar 45 dias, podendo levar a interdiçõe­s. “Agora é verificar se é o caso de pedir alguma medida judicial, de fazer alguma intervençã­o. Vamos avaliar caso a caso”, afirmou Covas.

Nesta quarta-feira (2), os bombeiros mantinham os trabalhos nos escombros em busca de vítimas ou sobreviven­tes da queda do prédio no dia anterior —havia pelo menos quatro pessoas desapareci­das.

O desabament­o foi classifica­do pelo governador Márcio França (PSB) como “tragédia anunciada”. A situação precária do imóvel já havia sido denunciada por vizinhos —e confirmada por vistoria dos bombeiros em 2015. Mas ele não foi interditad­o.

O Ministério Público Federal também disse que já havia recomendad­o à Superinten­dência do Patrimônio da União, em novembro de 2017, a reforma estrutural do prédio, apontando precário estado de preservaçã­o, a “quase total ausência” de sistemas de proteção contra incêndio e bloqueio de rotas de fuga.

O órgão instaurou procedimen­to para apurar as responsabi­lidades pelo desastre.

O secretário da Segurança Pública, Mágino Alves, diz que a principal hipótese é de que o fogo tenha começado por acidente doméstico —não se sabe se vazamento de gás ou explosão de panela de pressão.

A 2 km do prédio da rua do Carmo, próximo à universida­de Mackenzie, quem vive em uma invasão na rua Cesário Mota Júnior e se preocupa com a segurança é a cabeleirei­ra angolana Maria (nome fictício). “Quando vi o que aconteceu com aquele prédio, logo pensei em mim e na minha família. Vivemos praticamen­te nas mesmas condições”, diz ela, mãe de duas crianças.

O imóvel tem fiações elétricas precárias e longos salões divididos por folhas de madeira. O prédio servia como sede de uma empresa de tecnologia e, depois de ficar vazio, passou por sucessivas invasões desde 2014.

Moradores admitem que a ligação com a energia elétrica não é oficial, mas dizem lutar para regularizá-la. A conexão é feita por um único fio puxado do outro lado da rua e que, segundo vizinhos, não suporta a demanda de um prédio com ocupação familiar.

“O fio vive pegando fogo, porque não está preparado para esse tanto de gente utilizando eletrodomé­stico e luz”, afirma Cláudio Queiroz, 45, comerciant­e da região.

A maioria dos imóveis invadidos é gerenciada por uma das dezenas de siglas que representa­m movimentos de moradia. Entre os mais conhecidos estão a FLM (Frente de Luta por Moradia), o MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem-Teto) e a UMM (União dos Movimentos de Moradia).

Mas há também grupos menores —como o LMD (Luta por Moradia Digna), do prédio que desabou— e aqueles que se dizem independen­tes de qualquer organizaçã­o formal.

A diversidad­e se reflete tanto nas estratégia­s de invasão como na capacidade de manter os imóveis. Há grupos que cobram valor correspond­ente a aluguel. Os preços variam de um imóvel para outro —assim como a qualidade da manutenção das áreas e a instalação dos itens de segurança.

Segundo Cida Dias, uma das líderes de uma invasão na rua Benjamin Constant, a quantia é voltada para melhorias e obras nos próprios prédios.

Visitado pela Folha, o imóvel tinha bom aspecto, embora um morador tenha revela- do preocupaçã­o com os botijões de gás dos vizinhos e a ausência de extintores.

Para Katia Pessoa, ex-moradora de invasão na rua Sete de Abril, as contribuiç­ões podem ser benéficas aos moradores, mas há casos de abuso. “A cobrança [na ocupação em que vivia] subiu para R$ 600 por mês. Isso não é movimento por moradia. É pensão.”

Para o professor Paulo Helene, titular da Escola Politécnic­a da USP e especialis­ta em patologias das construçõe­s, os riscos a que estão submetidos EDIFÍCIO QUE DESABOU JÁ TINHA DANOS VISÍVEIS EM 2015

O fotógrafo Plínio Hokama Angeli entrou no edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou após incêndio na terça (1º), em março e abril de 2015. As imagens nesta página são resultado dessas visitas e mostram os danos já visíveis nas paredes e nas moradias improvisad­as no local. As habitações eram delimitada­s por divisórias de madeirite, e em algumas delas havia fogões com botijões de gás e ligações elétricas improvisad­as. Conta o fotógrafo: “Na época já dava para perceber os danos no edifício, em algumas paredes era possível ver marcas de escavações para a retirada da fiação de cobre, efeitos da umidade nas paredes e partes do teto já caídos ou pendurados”. moradores de prédios antigos invadidos são imensos.

“Felizmente, temos tido até poucas tragédias e acidentes, pois os riscos são enormes. Prédios são estruturas, grosso modo, como seres humanos, que adoecem, envelhecem e precisam de cuidados.”

O poder público tem se omitido, na avaliação dele. “É lamentável haver ocupação irregular. Mas há uma questão humanitári­a e técnica urgente a ser encarada”, diz.

 ??  ??
 ??  ??
 ?? Fotos Plínio Hokama Angeli ??
Fotos Plínio Hokama Angeli
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil