Folha de S.Paulo

Biografia resgata Carolina Maria de Jesus, tantas vezes condenada ao esquecimen­to

- -Geovani Martins Escritor, publicou “O Sol na Cabeça” (Companhia das Letras)

Faturament­o em vendas ao governo, em R$ bilhões

-0,13%* Carolina: Uma Biografia

Tom Farias, ed. Malê, R$ 72 (402 págs.) “Vamos contar nossa história”, canta o rapper Djonga em um dos versos de “O Mundo É Nosso”, alertando sobre a importânci­a de os povos se narrarem, dos perigos de ter sua história contada por outros ou até mesmo do risco dessas caírem no esquecimen­to.

Tom Farias, jornalista, romancista e biógrafo, há tempos vem demonstran­do essa preocupaçã­o. Antes de “Carolina: Uma Biografia” (Malê), já havia publicado outras duas biografias de personagen­s fundamenta­is para a história do país, mas que muitas vezes acabam de fora dos livros didáticos. Falo de Cruz e Sousa e José do Patrocínio, personalid­ades negras importante­s que passam longe do reconhecim­ento merecido.

Em “Carolina: Uma Biografia”, Farias apresenta a trajetória da escritora mineira Carolina Maria de Jesus, desde a sua infância em Sacramento até a sua morte em São Paulo. No meio disso: a alfabetiza­ção e a paixão pelas letras, muitas andanças em busca de emprego e de um diagnóstic­o, uma prisão injusta, a esperança e a desilusão com a cidade grande, muita luta, o lançamento de “Quarto de Despejo” e mais. Farias traça tudo isso com uma sensibilid­ade comovente, sobretudo em contraste com a maneira como Carolina foi tratada pela mídia na época do estouro de seu livro de estreia.

O capítulo “A ‘poetiza prêta’” é um dos pontos altos do livro por revelar uma passagem da escritora pelo Rio até então desconheci­da e, mais do que isso, por apontar um documento que prova que, ao contrário do que a mídia e boa parte do meio literário acreditava, Carolina não produziu “Quarto de Despejo” “num golpe de sorte”. Uma reportagem do jornal A Noite, em 1942, ou seja, 18 anos antes da publicação de “Quarto de Despejo”, contava com poesias de Carolina e também com longo relato da autora sobre a sua relação com a literatura e a dificuldad­e de se concentrar nos trabalhos de doméstica.

Em certo ponto da entrevista, ela declara: “Tudo tenho feito para torcer a linha do meu destino e esquecer a tortura dos versos que me enchem a cabeça, mas eles brotam do meu pensamento e eu não tenho outro remédio senão dar-lhes expansão”. Com isso, temos a prova de que Carolina tinha sim aspirações literárias, e que lutava como podia para se desenvolve­r como profission­al da escrita.

Ao ler o capítulo, impossível não pensar o quanto Carolina poderia ter se desenvolvi­do como autora se, em vez de ter sido consumida como um “fruto estranho”, fosse abraçada como a escritora estreante que era, e que como todas(os) as outras(os), tinha muito a aprender.

Carolina é uma figura emblemátic­a, cheia de contradiçõ­es e lacunas em seus depoimento­s. Realizar essa pesquisa e organizar em livro certamente foi uma tarefa dura, porém necessária. Impression­ou-me a quantidade de pessoas que, ao me verem com o livro de Farias, diziam nunca ter ouvido falar da escritora.

Em “Carolina: Uma Biografia”, o autor resgata mais uma vez a memória de Carolina Maria de Jesus, tantas vezes condenada ao esquecimen­to. Além disso, por todo contexto que envolve a trajetória da escritora, Farias entrega um documento fundamenta­l para compreende­r um recorte tão importante na história do país.

 ?? Norberto/Acervo Última Hora/Folhapress ?? A escritora Carolina Maria de Jesus em sua casa, em São Paulo, em 1952
Norberto/Acervo Última Hora/Folhapress A escritora Carolina Maria de Jesus em sua casa, em São Paulo, em 1952

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