Intérprete de Martin Luther King se arrisca em comédia de ação
Em ‘Gringo: Vivo ou Morto’, David Oyelowo vive funcionário de farmacêutica que se envolve com traficantes e policiais
los angeles O inglês David Oyelowo ganhou destaque em Hollywood ao interpretar Martin Luther King Jr. em “Selma: Uma Luta Pela Igualdade” (2014), de Ava DuVernay.
Depois disso, dramas como “Refém” (2015) pareciam a única opção para o ator. Até ele assumir o protagonismo de “Gringo: Vivo ou Morto”, comédia de ação dirigida por Nash Edgerton, famoso pelo trabalho como dublê.
“Estava procurando por filmes mais leves, mas não queria algo que fosse declaradamente engraçado”, explica Oyelowo, que interpreta o doce e careta Harold, funcionário de uma farmacêutica estagnado no cargo e no seu casamento.
O ator, que vem de uma família nobre da Nigéria e nasceu em Oxford, diz ter pedido mudanças no personagem, como uma origem nigeriana. Antes, o protagonista do longa era um nerd atrapalhado que beirava o estereótipo.
“Questionava a inocência do personagem. Não achava interessante. Tê-lo como imigrante torna a trama mais verossímil, porque você se sente fora da zona de conforto e tende a confiar mais nas pessoas quando é um imigrante”.
No longa, o protagonista se vê em meio a uma confusão internacional quando viaja com os chefes abusivos (Charlize Theron e Joel Edgerton) para o México. Eles precisam encerrar as atividades de uma filial e transportar uma pílula revolucionária à base de maconha.
Mas o personagem termina fingindo o próprio sequestro para pagar dívidas, enquanto um cartel local liderado por um fanático por Beatles tenta encontrá-lo para colocar as mãos na fórmula bilionária.
“Gringo: Vivo ou Morto” brinca com o valor da vida de um simples funcionário, mas também procura ousar na violência e nos vilões, como o mercenário que mata pessoas para utilizar o dinheiro em atividades de caridade.
“O que acontece no filme é algo plausível. Temos carteis em guerra, indústrias gananciosas e a situação da maconha farmacêutica. Mas no centro disso tudo há uma boa pessoa sendo explorada. É um reflexo da nossa sociedade”, diz o diretor Nash Edgerton.
Apesar da experiência, Oyelowo retorna em breve a projetos menos tresloucados. Ele fará o inspetor Javert em “Os Miseráveis”, minissérie da BBC. E estará em “Chaos Walking”, adaptação de Doug Liman (“A Identidade Bourne”) da série literária “Mundo em Caos”, de Patrick Ness.
Gringo: Vivo ou Morto
Gringo. EUA/Austrália, 2018. Direção: Nash Edgerton. Elenco: David Oyelowo, Charlize Theron. Estreia hoje. A legalização da maconha para uso medicinal em estados americanos deu origem a um mercado com crescimento vertiginoso e também a um tema cinematográfico, explorado nesta comédia delirante do australiano Nash Edgerton.
O imigrante nigeriano Harold (David Oyelowo) é o boapraça por definição: honesto, esforçado, gentil. Mas terrivelmente ingênuo, pois acredita que todos que o rodeiam possuem as mesmas virtudes.
Ele tem um bom cargo na Cannabax Technologies, empresa que desenvolveu uma maconha medicinal em forma de comprimido. A empresa pertence ao amigo Richard (Joel Edgerton) e a Elaine (Charlize Theron) —uma dupla que esbanja ambição, cinismo e vulgaridade.
Mas de uma hora para outra a vida do pacato Harold vira de ponta-cabeça: descobre que está endividado, que é manipulado pelos patrões e, pior do que tudo, a empresa está para se vendida e ele vai para o olho da rua.
Harold viaja para o México com a missão de entregar a fórmula à fábrica e lá se mete numa série de enrascadas com o parceiro comercial da empresa, ou seja, um cartel de narcotraficantes, além de mercenários e da polícia.
A comédia procura emular o universo tresloucado de Quentin Tarantino e de certos filmes dos irmãos Coen, mas o resultado não convence.
“Gringo: Vivo ou Morto” cai na redundância sob o fascínio do excesso —de crueldade, reviravoltas, sarcasmo, absurdos, velhíssimos clichês sobre o México e mexicanos e personagens que formam uma autêntica galeria de idiotas.
Essa desmedida é meramente pirotécnica, nada tem de transgressiva. À medida que o filme avança tudo vai perdendo a graça e a profusão de extravagâncias se revela perfeitamente compatível com uma moral das mais tradicionais.
Ciganos da Ciambra
A Ciambra. Itália/Brasil/Alemanha/ França/Suécia/EUA, 2017. Direção: Jonas Carpignano. Elenco: Pio Amato, Koudous Seihon, Damiano Amato. Estreia hoje. A câmera na mão, trêmula, denota urgência. Os personagens guardam o mesmo nome dos atores não profissionais que os interpretam. O universo degradado completa o quadro para um tipo de cinema comprometido com a revelação de mazelas sociais.
Em “Ciganos da Ciambra”, o diretor Jonas Carpignano reafirma seu interesse pelas condições de vida de populações excluídas. Na estreia, com “Mediterranea” (2015), o realizador ítalo-americano registrou a travessia de imigrantes africanos que tentam chegar à Itália e, quando conseguem, encontram hostilidade.
O foco de “Ciganos de Ciambra” é a situação marginal de uma família que vive de pequenos delitos na região de um porto na Calábria.
A estética semidocumental adotada por Carpignano mergulha no cotidiano dos Amato e cola nos corpos para sugerir proximidade entre as histórias que o filme relata e a vida dessas pessoas-personagens, a contiguidade entre a ficçãodenúncia e a verdade factual.
Nesse sentido, o filme retoma escolhas formais codificadas pelo cinema dos irmãos Dardenne há mais de duas décadas e que se tornaram um modo automático de manifestar “realismo”.
Carpignano adota o procedimento como fórmula visual, sem questionar se o uso tão recorrente não interfere no que essas imagens instáveis podem transmitir.
Apesar da fadiga desse reuso, o tremor visa expressar a urgência e captar a energia do percurso de Pio, protagonista de 14 anos que o longa escolhe como epicentro do drama.
Nesse universo em que a ideia de lei não guarda sentido, o olhar confuso do protagonista registra e tenta se inserir num mundo adulto organizado em torno de diversos tipos de trapaças e crimes.
Pio é uma versão contemporânea de pivetes retratados em “Pixote: a Lei do Mais Fraco” (1981), “Os Incompreendidos” (1959) e “Vítimas da Tormenta” (1946), que denunciavam o abandono como matriz da criminalidade e devolviam ao espectador sua cota de responsabilidade.
Mas, talvez, ao contrário de seus antecessores, a visibilidade de Pio no circuito de festivais só intensifique a anestesia do público, que aplaude indignado e acredita ter assim reagido ao choque da realidade.
Verdade ou Desafio
Truth or Dare. EUA, 2018. Direção: Jeff Wadlow. Elenco: Lucy Hale, Tyler Posey, Violett Beane. Estreia hoje. “Truth or dare?”, traduzido aqui para “verdade ou desafio?”, é o jogo em que pessoas fazem uma roda e intimam uns aos outros. Quem escolhe “verdade” tem de responder a uma pergunta, de certo comprometedora. Se escolhe “desafio”, tem de cumprir uma tarefa, nem sempre agradável.
A brincadeira é popular entre jovens americanos, daí surge a ideia do pretenso “Verdade ou Desafio”, que chega aos cinemas do Brasil. Os produtores pensaram que o jogo era apropriado a um bom longa de terror. Não deu certo.
Na bilheteria até foi bem (custou US$ 3,5 milhões e rendeu US$ 35 milhões), a ponto de uma sequência ser cogitada. Mas a única explicação é ter sido assistido por plateias de jovens tão intelectualmente limitados quanto os protagonistas da trama do filme.
Na longa, um grupo de universitários americanos passa feriados no México. Eles conhecem um rapaz que os leva para passar a noite numa mansão abandonada e sugere a brincadeira. A partir de então, eles passam a ter alucinações que propõem a cada um a pergunta do jogo.
Quem não cumpre a tarefa morre. Quem aceita dizer a verdade dispara revelações terríveis para os amigos, e o grupo começa a enlouquecer em busca de uma saída.
Claro que a cartilha dos filmes de terror para jovens se impõe. Como em exemplares do gênero, a curiosidade em assistir até o final é descobrir quem vai sobrar além da principal bonitinha do elenco.
No caso, são duas, Olivia e Markie, melhores amigas. O fato de a primeira desejar o namorado da outra terá papel decisivo no desenvolvimento do enredo. Se é possível falar em desenvolvimento, já que a história não vai a lugar algum. Não há qualquer explicação sobre o tal feitiço.
O elenco até funciona bem, mas o problema é que não existe um roteiro que sustente qualquer esforço dos atores ou do diretor Jeff Wadlow, que fez um filme de herói bem bacana, “Kick-Ass 2” (2013).
A única coisa realmente assustadora que esse filme pode suscitar é um possível “Verdade ou Desafio 2”.
Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos
Brasil, 2018. Direção: Paulo Nascimento. Elenco: Edson Celulari, Soledad Villamil, Leonardo Machado. Estreia hoje.
Cego desde a infância, Vitorio (Edson Celulari) é conhecido no bairro paulistano do Bixiga pelas saborosas pizzas que prepara no estabelecimento herdado do pai. Bem-humorado —faz piadas com a própria deficiência—, Vitorio é o típico personagem simpático, talhado para estabelecer empatia com o espectador.
Sem visão, aguçou olfato, tato e paladar para sentir o ponto exato da massa e do molho de tomate, por exemplo. Muitas vezes sua sensibilidade também lhe permite captar as intenções de alguém, ou uma mudança de humor.
A oposição entre “ver” e “sentir” é constantemente recolocada pelo personagem, que concebe o sentir como “ver por dentro”, traço essencial da metáfora em torno da cegueira que o filme constrói.
O pizzaiolo vive com a mulher, Clarice (Soledad Villamil), uma argentina que dá aulas de química em colégios e fica no caixa do restaurante à noite, e a filha Alícia (Giovana Echeverria).
O relacionamento do casal é mal trabalhado pelo roteiro, assinado pelo diretor Paulo Nascimento. Vitorio e Clarice manifestam seu amor, mas as coisas não vão além disso. A conexão entre ambos é delineada de modo superficial.
A falta de densidade aparece na inútil lentidão com a qual o roteiro apresenta os personagens e sobretudo na deficiente caracterização destes e na falta de qualidade dos diálogos, frequentemente explicativos em demasia.
Isso prejudica o desenvolvimento da complexidade dos personagens centrais, principalmente em relação a Clarice, que renunciou à fortuna do pai e à carreira universitária para se dedicar ao marido. Mas sentimentos e motivações mais íntimas não afloram. O que domina são silêncios e um olhar entristecido.
A força da história fica prejudicada, pois é exatamente Clarice quem introduz a principal tensão da narrativa ao incentivar o marido a fazer um novo tipo de cirurgia que pode reverter a cegueira.
O problema é que Vitorio aprendeu a viver com a deficiência e não se mostra nem um pouco disposto a recuperar a visão. Prefere continuar “sentindo” o mundo a vê-lo, prefere a imaginação à imagem.
A cumplicidade que não se vê entre o casal é o ponto forte na relação entre Vitorio e Cleomar (Leonardo Machado), devotado assistente e garçom da pizzaria, apesar de também sofrer com diálogos pouco inspirados. O convívio entre eles traz os melhores momentos de humor.
Fragilidades do roteiro felizmente não tiram o maior mérito do filme: apontar outra cegueira que não a de Vitorio, aquela presente nas relações sociais, a cegueira moral que impede pessoas de aceitarem os outros como são, respeitar suas escolhas. Vitorio enxerga mais do que todos, mas estes não percebem.