Folha de S.Paulo

Obra busca apresentar soluções para o país sem ofensa a rivais ideológico­s

- Fábio Zanini

são paulo Na introdução do livro “Brasil: o futuro que queremos” (ed. Contexto), o coordenado­r, o historiado­r Jaime Pinsky, traça um objetivo ambicioso para os tensos dias de hoje: oferecer um diagnóstic­o “sem milagres, com propostas concretas, elaboradas a partir de experiênci­a e estudos. E mais ainda, sem palavras de ordem. Sem ofender os que pensam de modo diferente”.

Para isso, ele convidou para escrever 12 especialis­tas em áreas que vão da educação ao esporte, passando por saúde, urbanismo, economia, politica externa, agricultur­a e meio ambiente, entre outros. Cada um com uma dupla missão: apresentar o estado geral das coisas, listando sucessos e fracassos ao longo de décadas, e apresentar ideias para melhorar.

A primeira tarefa é mais simples. Os experts, afinal, têm larga experiênci­a em suas áreas e apresentam análises instigante­s de como e por que chegamos até aqui.

A ex-ministra Cláudia Costin, especialis­ta em educação hoje ligada à Fundação Getulio Vargas, lembra que o Brasil fez uma opção, nos anos 1930 e 1940, por priorizar a criação de uma “elite intelectua­l iluminada que pudesse definir os rumos do país, investindo de forma mais incisiva, à época, no ensino superior”. Vem daí o atraso do país na educação básica, raiz de nosso pífio desempenho em rankings internacio­nais.

De modo análogo, prega o patologist­a Paulo Saldiva, professor de Medicina da USP, a estrutura do atendiment­o à saúde favorece atendiment­os caros e complexos, em detrimento da atenção básica. “O usuário procura o hospital após dificuldad­es de agendament­o com o especialis­ta e exames relacionad­os, independen­temente da gravidade de seus sintomas”.

Especialis­ta em urbanismo, o ex-vereador Nabil Bonduki (PT) relaciona a atual crise de moradia a um conceito em voga no passado que desestimul­ou o planejamen­to global. “O higienismo, aliado ao moralismo burguês cristão, reforçou o conceito de moradia unifamilia­r, chamada de moradia salubre, em clara oposição aos cortiços e casas coletivas, em sintonia com as políticas sanitárias e a moral da segunda metade do século 19 e início do 20”.

A obra não pretende ser uma receita ideológica uniforme, até porque isso seria impossível com tantos autores. Perpassa o livro, ao contrário, um discreto estímulo à dissonânci­a, o que o torna mais interessan­te.

Na parte econômica, isso é visível. Luís Eduardo Assis, ex-diretor do Banco Central, dá um receituári­o liberal e louva “o abandono das ideias estrambóti­cas que a presidente Dilma e o ministro Mantega nutriam a respeito da economia brasileira”.

Em seu divertido artigo, ele pede que economista­s tenham a coragem de dizer “não sei” quando perguntado­s sobre quanto será a inflação do próximo ano. Até porque, segundo Assis, previsões do tipo podem ser feitas a custo mais baixo por “Madame Tânia, que lê tarô”.

Antônio Corrêa de Lacerda, ex-presidente do Conselho Federal de Economia, oferece um contrapont­o, torpedeand­o o que ortodoxos advogam: independên­cia do BC, teto para gastos e a obsessão por metas de inflação.

Outro duelo interessan­te é o do ex-ministro da Agricultur­a Roberto Rodrigues com o ambientali­sta Fábio Feldmann. Rodrigues relativiza o impacto do agronegóci­o no desmatamen­to, diz que o Brasil ainda tem muitas áreas a serem cultivadas e reclama de incompreen­são do cidadão urbano com o ruralista. Pede que o setor invista mais em comunicaçã­o para quebras resistênci­as.

Já Feldmann cobra uma Lava Jato ambiental, articuland­o Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário contra agressores do meio ambiente. Sugere que a Comissão de Valores Mobiliário­s exija de empresas que relatem seus passivos na área.

Se o debate e os diagnóstic­os fluem bem, a parte dedicada a propostas mostra a dificuldad­e de se encontrar soluções. Para praticamen­te todos, a resposta é mais dinheiro, algo improvável num cenário de restrição.

Há acenos a reformas, mas que são em sua maioria descritas de forma genérica e com baixa perspectiv­a de serem aprovadas em um ambiente congressua­l tumultuado.

Promover um debate civilizado, o que o livro em larga medida consegue, é um grande avanço, mas não basta para resolver nossos enormes problemas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil