Livro aponta como cultura dos negócios pode gerar corrupção
são paulo Como é possível que grandes empresas nacionais e estrangeiras, que seguem o que há de mais avançado em práticas de governança corporativa, sejam pegas rotineiramente em escândalos de corrupção?
O livro “Ética Empresarial na Prática”, do consultor Alexandre Di Miceli, tenta responder à questão se debruçando sobre as raízes do comportamento antiético dentro de empresas e os motivos pelos quais os instrumentos de controle usuais falham tanto.
A ideia mais intrigante proposta por Di Miceli é que os desvios éticos, na maioria das vezes, não são culpa de um pequeno grupo de profissionais com falhas de caráter, chamados por ele de “maçãs podres”.
Sua tese é que, mais do que se preocupar com quem foge à regra, é preciso entender como os profissionais que se julgam corretos são levados a cometer delitos devido a incentivos perversos da cultura de muitas empresas.
Nos primeiros capítulos, o autor apresenta pesquisas recentes do campo da ética comportamental. A partir de experimentos, mostra que, mesmo em pessoas presumivelmente honestas, alguma dose de trapaça aparece em testes em que lhes é dada chances de ganhar um pouco a mais.
Por exemplo, quando se pede que um grupo resolva uma série de problemas matemáticos, premiando cada pessoa pelo número de questões feitas em determinado período, a produtividade relatada cresce muito quando os participantes sabem que os resultados não serão conferidos.
O autor mostra que há fatores que nos tornam mais propensos a trapacear. Os principais são pressão devido à escassez de tempo, metas inalcançáveis e a percepção de que as práticas desonestas são realizadas pelos pares. O que cai como luva no ambiente de muitas empresas.
Di Miceli analisa uma série de casos recentes, como os de envolvidos na Lava Jato.
Critica o celebrado modelo de gestão da Ambev, por considerar que coloca os profissionais sobre intensa pressão para cumprir metas elevadas em sistema que incentiva a competição interna.
A consequência, aponta, são inúmeras notícias de abusos morais contra quem falha, incluindo caso de funcionário que foi colocado dentro de um caixão na sala de vendas e outros obrigados a andar travestidos pela companhia.
No caso da Volkswagen, uma cultura autoritária e o desejo de tornar a montadora a maior do mundo no curto prazo, na avaliação de Di Miceli, levaram a empresa ao maior escândalo de sua história.
Em 2015, foi descoberto que a companhia implantava um software em seus veículos a diesel para reduzir artificialmente os níveis de poluentes emitidos durante testes exigidos por reguladores.
Martin Winterkorn, presidente-executivo da empresa, conseguiu cumprir a meta de fazer dela a maior do mundo. Porém não teve tempo de celebra. Foi obrigado a se demitir quando a fraude foi revelada.
O autor observa que escândalo de tal magnitude não acontece do dia para a noite e precisa da conivência de funcionários de diferentes escalões que não têm coragem de fazer nada ou não querem fazer.
Isso acontece, segundo o autor, porque os comportamentos antiéticos, , em vez de surgir de um dia para o outro, são incorporados lentamente na rotina de pessoas e organizações, em um processo que ele chama de cegueira moral.
O autor afirma que temos a tendência de criar racionalizações que justificam a nós mesmos o erro que cometemos, do tipo “todas as empresas fazem isso, seria impossível trabalhar de outra forma”.
Di Miceli critica a ideia de que a principal missão das companhias é gerar lucro aos acionistas. Ele acredita ser importante substituir esse objetivo por uma noção de propósito para a existência das empresas que incluam gerar bons resultados para clientes, fornecedores e ambiente.
Para ele, deve-se celebrar casos em que a empresa deixou de participar de um negócio para ser fiel a seus valores.
Parece distante da realidade, mas Di Miceli argumenta que a atitude garantirá a sustentabilidade no longo prazo. O livro traz uma discussão oportuna em momento em que muitas empresas tentam reconstruir sua credibilidade.