Folha de S.Paulo

Futebol jogado para escanteio

O brasileiro parece farto de incompetên­cia e corrupção no país, e isso inclui o futebol

- Mariliz Pereira Jorge Jornalista e roteirista de TV, é colunista da Folha desde 2014. Escreve sobre comportame­nto, esporte e atualidade­s

O país mudou. Mudou com ele o brasileiro e suas paixões. E o futebol, quem diria, parece não ser mais uma das maiores. Bem, venho dizendo isso há bastante tempo. Que as pessoas sequer se interessam pelos estaduais mequetrefe­s, pelos amistosos da seleção, pela escalação dos jogadores, pela recuperaçã­o de Neymar.

A pesquisa Datafolha, divulgada nesta sexta (4), foi um susto para quem acha que o futebol tem tanta relevância na vida das pessoas. E apenas uma constataçã­o melancólic­a para quem observa de forma crítica tudo que gira em torno do assunto.

Segundo os dados, 41% dos entrevista­dos não têm interesse por futebol. Um cresciment­o de 10 pontos percentuai­s em relação ao levantamen­to anterior, feito há oito anos. Entre os que disseram ter grande interesse ouve uma queda de 32% para 26%. Parece uma pequena tragédia, e é, levando em conta que é o esporte nacional que mais recebe investimen­tos, o que tem mais visibilida­de, o que domina o noticiário.

Ainda acho que a Copa do Mundo nos dará a real percepção sobre a relação do brasileiro com o esporte nos dias de hoje. Mas pelos números do Datafolha o caso de amor do brasileiro com o futebol parece ter esfriado: 42% disseram não ter nenhum interesse no Mundial, que acontece daqui a 40 dias. Em 2009, o percentual era apenas de 18%.

O que mudou nos últimos oito anos para esse resultado tão ruim? Muita coisa.

A oferta de entretenim­ento cresceu. A TV aberta, que sempre foi um meio óbvio para a promoção do esporte, perdeu audiência. Quem fica em frente à televisão quartas à noite e domingos à tarde para ver um jogo, muitas vezes ruim?

A qualidade do futebol é um dos fatores que diminui o interesse, certamente. Nossos craques vão cada vez mais cedo jogar fora do país, atraídos pelo dinheiro, mas também pela possibilid­ade de participar de torneios mais estruturad­os, com qualidade e competitiv­idade.

Futebol ruim, ingressos caros. Um levantamen­to feito em 2015 por Oliver Seitz, PhD em indústria do futebol, mostrou que a entrada para ver um jogo no Brasil é a mais cara do mundo em relação ao salário mínimo. O brasileiro, segundo ele, precisaria trabalhar 11 horas para entrar no estádio, enquanto um alemão menos de duas.

Imagine essa conta num cenário de 14 milhões de desemprega­dos. Não por acaso, o Datafolha revelou que as pessoas com menor poder aquisitivo são as que mostraram menos interesse. Parece que pão e circo estão em baixa por aqui.

Então, chegamos à violência. Não é novidade que as torcidas organizada­s continuam tocando o terror dentro e fora dos estádios e afugentam o torcedor-família, que quer apenas se divertir sem correr o risco de ser morto por causa de uma turma de animais. E como sabemos, clubes, federações e Ministério Público fazem pouco para mudar isso.

Escândalos da CBF, prisão de dirigentes, má gestão e falta de transparên­cia nos clubes são fatores que não podem ser ignorados. O brasileiro parece farto da incompetên­cia e da corrupção generaliza­das no país, e isso inclui o futebol.

Ainda assim, o que não mudou nada é a cobertura de esporte. É sempre aquela pasmaceira sem fim sobre compra e venda de jogadores, análises sobre os jogos, salários, dívidas, Copa, sai Neymar, volta Neymar.

As editorias especializ­adas, os sites, os programas de TV são quase sempre monotemáti­cos. Infelizmen­te, não se deram conta desse movimento, da mudança de comportame­nto, não perceberam que estão falando com um público cada vez mais restrito, sobre um assunto cada vez mais segmentado. O Futebol foi jogado para escanteio por um de seus jogadores mais apaixonado­s, o brasileiro.

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