Sem políticas contra abuso, confederações não recebem denúncias
Psicóloga, atleta e Comitê Olímpico do Brasil afirmam que entidades não estão preparadas para lidar com o tema
são paulo Debates sobre assédio no esporte e políticas para combatê-lo ainda estão longe do radar das principais confederações brasileiras.
A Folha perguntou às 35 entidades responsáveis por esportes olímpicos no país se elas possuem um programa específico de combate ao assédio e abuso sexual de crianças e adolescentes.
Das 23 que responderam, nenhuma possui uma política detalhada sobre o assunto, e todas afirmaram não ter recebido diretamente denúncias de casos nos últimos dez anos.
Após ginastas acusarem de abuso sexual o técnico Fernando de Carvalho Lopes, algumas confederações disseram estar revendo os seus parâmetros para lidar com o tema. As denúncias foram reveladas pela TV Globo, e o treinador nega as acusações.
Professora da USP, a psicóloga Katia Rubio entrevistou para um livro 1.320 atletas olímpicos brasileiros. Ela afirma que eles relataram diversos casos de abuso, mas que sempre houve uma naturalização do assédio no esporte.
“Tem o caso de uma atleta que relatou que o técnico viajava e fazia questão de reservar apenas um quarto, para dormir com a atleta, e ela era abusada. Quando chegava em casa, relatava isso para a mãe e ela falava: não, minha filha, ele é um pai para você”, conta a pesquisadora.
Segundo Rubio, o esporte reflete as mudanças culturais da população, que hoje clama por mais atenção ao tema do assédio de forma geral. “Não é que estes casos não existiam, mas não eram vistos como abuso, como crimes”, diz.
A maioria das confederações possui um canal de ouvidoria em seus sites ou por email para receber denúncias sobre diferentes temas. Após a repercussão do caso da ginástica, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) anunciou que criará um canal específico para lidar com casos de abuso.
A nadadora Joanna Maranhão, 31, denunciou em 2008 um treinador por abuso sexual durante a sua infância. O caso resultou na lei que leva o nome dela e prevê que o prazo para prescrição de crimes sexuais contra crianças e adolescentes comece a contar quando elas fizerem 18 anos.
Dez anos depois, Maranhão afirma que as confederações ainda não estão preparadas para lidar com o tema.
“Esses canais só vão ser suficientes se as pessoas se sentirem acolhidas e confiantes de que algo vai acontecer a partir das denúncias”, afirma.
De acordo com Rubio, é necessário trabalho cuidadoso de preparação para que o atleta consiga lidar com a dor e se sinta seguro para falar.
“Nem os psicólogos que hoje estão nos clubes têm condição de dar esse suporte, porque são vistos como pessoas do sistema. O apoio que o atleta precisa vem de fora, alguém que não tenha relação com essa rede que o cerca. Enquanto ele não enxergar essa pessoa, não vai falar”, afirma.
Para a nadadora, punir o agressor é importante, mas o foco das entidades deve ser a vítima. “Dar credibilidade à palavra dela, tirar do convívio do abusador no momento em que a denúncia for feita e dar suporte psicológico não apenas momentâneo”, diz.
Em abril, Maranhão participou da assinatura de acordo entre a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos e o Ministério Público do Trabalho para estabelecer ações de prevenção e combate ao assédio e abuso no esporte.
A parceria também foi firmada pela Procuradoria com as confederações de ciclismo e ginástica. Esta última agora está desenvolvendo uma cartilha de prevenção inspirada em modelo americano que seria a primeira experiência detalhada sobre o tema no Brasil.
“Precisa de uma regra de conduta genérica urgente, mesmo que seja o básico do básico. Depois vamos para as regras específicas dos esportes”, afirma o procurador-chefe Gláucio Araújo de Oliveira.
Quem sofrer abuso será ouvido, afirma comitê olímpico