Após altas e baixas, criptomoeda fica estagnada e exige fim de amadorismo
Ativo digital já teve desvalorização de 49%; com investidores receosos, mercado perde atratividade
são paulo A julgar pelo volume de negociações nas corretoras de criptomoedas no Brasil, o frenesi bitcoin parece ter desaparecido, abrindo espaço para um mercado mais maduro, com menos amadorismo e especulação.
Em dezembro de 2017, o bitcoin bateu o recorde de US$ 20 mil (R$ 71.420,00) durante as operações diárias.
Logo depois, veio uma queda livre que durou até o início de fevereiro. No período, a desvalorização chegou a 49% e o preço recuou para US$ 7.100 (R$ 25.354,10).
Veio, em seguida, uma leve subida, sucedida por um deslize de março a abril.
Muitos investidores não resistiram a essa montanha-russa e venderam seus ativos — alguns em momentos mais favoráveis do que os outros.
Entre os entusiastas de bitcoins e outras criptomoedas, vender quando caem os preços é uma vergonha inconfessável. “Ninguém fala que vendeu porque tem medo de passar por bobo”, diz Rudá Pellini, sócio da plataforma de investimento Wise&Trust.
Ainda assim, apesar da pressão para manter o sangue frio, muitos não aguentaram o tranco do início deste ano.
Para o paulistano Kleber Lucindo, 26, vender suas reservas foi uma questão de paz de espírito diante da instabilidade do investimento.
“Foi bom para aprendizagem, mas dá muito trabalho acompanhar o mercado diariamente”, afirma Lucindo.
Ele trocou suas criptomoedas por reais no começo de março e conseguiu cobrir seu prejuízo vendendo as placas gráficas do computador que usava para mineração —processo para gerar as criptomoedas e verificar as transações.
A reportagem procurou investidores que tenham vendido seus ativos nos últimos meses, e a maioria quis falar sob condição de anonimato. “Ninguém assume publicamente que não segurou [os investimentos]”, diz Pellini.
As corretoras também sentiram o baque.
A Mercado Bitcoin, por exemplo, foi de 200 mil clientes para 1 milhão de janeiro de 2017 para o início deste ano, mas o número está estagnado desde então.
Gustavo Chamati, presidente da empresa, reconhece que o ritmo de adesão não está tão acelerado quanto nos últimos meses de 2017.
“O movimento não foi tão consciente. Muita gente veio só pelo apelo da valorização da moeda antes de entender a nova tecnologia”, afirma Chamati. Segundo ele, há ainda centenas de novos cadastros de investidores diariamente.
Na Foxbit, o volume de negociações despencou de R$ 1,5 bilhão em dezembro para uma média de R$ 400 milhões nos primeiros quatro meses deste ano.
João Canhada, presidente da exchange, vê um efeito sazonal na queda.
“O primeiro trimestre é sempre mais reduzido em volume, já era esperado. Você tem o Ano-Novo chinês [em fevereiro] derrubando preços. [A China] É um mercado bem grande”, afirma Canhada.
Christian Andrei, 24, de São Vicente, no litoral paulista, manteve suas placas de mineração, mas viu muitos colegas desistindo da exploração.
“O pessoal inexperiente se assustou bastante. Foi uma queda violenta”, conta Andrei.
Nos últimos meses, ele en- controu placas gráficas à venda por metade do preço comum. “Muitos ficaram desesperados, achando que o preço das placas cairia para nada.”
Para Alan de Genaro, professor de economia da USP (Universidade de São Paulo), a reação foi fruto da imaturidade do mercado de criptomoedas.
“As pessoas se empolgaram com a possibilidade de ganhar muito nesse ativo sem conhecer absolutamente nada”, afirma o professor. “Boa parte perdeu dinheiro e, quando o bitcoin chegou a US$ 7 mil [o valor mínimo após a queda, em fevereiro], saiu para não perder mais.”
De acordo com Genaro, a instabilidade desses ativos afastou novatos.
“A pessoa que nunca comprou uma ação na vida e achou que podia ficar milionária comprando bitcoin provavelmente não vai voltar, e é até bom que não volte, porque ativos desse nível de risco não são para qualquer um.”
O valor do bitcoin está se recuperando desde o início de abril e, na semana passada, circulou ao redor de US$ 9.000 (cerca de R$ 32,1 mil).
“Se tirarmos o período de extrema especulação no fim do ano passado, vemos que o bitcoin está crescendo, mas devagar”, diz Ricardo Rochman, professor de economia da FGV (Fundação Getulio Vargas). “Não é saudável um movimento brusco de alta como vimos no ano passado, porque gera efeito manada.”
Frederic De Mariz, diretor do UBS Brasil, vê o mercado de criptomoedas entrando em uma fase de maturidade. “Ninguém entendia o que era, ninguém acompanhava há dois anos”, diz.
Para ele, a explosão de demanda observada até o ano passado não vai se repetir.
“É difícil enxergar isso para este ano. Está mais calmo em volatilidade. Neste ano vamos consolidar uma visão de mercado mais madura.”
Consolidação do mercado vai reduzir ativos, diz especialista
Além de dar uma acalmada na especulação, a maturidade no mercado de criptomoedas também deve se traduzir em uma consolidação de muitas das 1.200 moedas virtuais existentes hoje. A avaliação é de De Mariz, do UBS Brasil.
“Teve uma bolha no número de criptomoedas, é difícil imaginar que esse número faça sentido. Devemos ver uma consolidação das 1.200, e só as mais relevantes vão se manter, as mais aceitas pelo mercado”, diz o especialista.
Rochman, da FGV, também aposta em uma diminuição do número de criptomoedas no futuro.
“As outras têm que provar sua segurança, se o uso faz sentido, o que nem todas conseguem fazer. Como é fácil criar, há moedas que são redundantes. Outras a gente desconfia que possam ser esquema de pirâmide, e por aí vai”, afirma Rochman.
Por riscos como esses, De Mariz, do UBS Brasil, diz ser favorável à regulação dos ICOs (ofertas iniciais de moedas), um dos mecanismos usados para levantar recursos e financiar a criação de novas criptomoedas.
“A sociedade tem a obrigação de proteger os depositantes que não deveriam ter acesso a esses instrumentos”, diz De Mariz.
Já Rochman considera que a falta de regulamentação no mercado de criptomoedas abre espaço para aproveitadores.
“Se já baixasse uma regulamentação, mesmo que simples, não haveria ônus e os investidores estariam protegidos. Qual vai ser o critério para regulamentar [a exploração de criptomoedas]? Depois que tivermos mais de um milhão de prejudicados?”, questiona o especialista.
Enquanto isso não acontece, Chamati, presidente da Mercado Bitcoin, ressalta que criptomoedas deveriam servir como opção de diversificação de investimentos.
“Está diminuindo a quantidade de pessoas que têm a primeira experiência de investimento com o bitcoin. Há um uso mais consciente da moeda digital”, afirma Chamati.
A corretora de criptomoedas mapeou, em parceria com a empresa de serviços financeiros Serasa Experian, o perfil dos seus 1 milhão de investidores cadastrados atualmente nesse ramo de investimento virtual.
Segundo Chamati, o levantamento mostrou que não há muita diferença em relação ao que se vê no mercado financeiro tradicional.
De acordo com o mapeamento da Mercado Bitcoin e da Serasa Experian, 81,6% dos investidores são homens.
A maioria (58,9%) desses investidores tem de 18 a 33 anos e vive na região Sudeste do Brasil (57%).
“É uma tecnologia nova, acaba atraindo mais homens jovens, um público mais propenso à tomada de risco”, afirma Chamati.