Folha de S.Paulo

Kubrick contra a Nasa

- Ruy Castro

rio de janeiro “2001: Uma Odisseia no Espaço” está fazendo 50 anos de lançamento e não param de sair livros a seu respeito, alguns enormes, de dimensões quase espaciais, como o filme. A maioria desses livros não quer saber dos possíveis “significad­os” de “2001” —e muito papel e tinta correu a respeito em 1968—, mas do seu processo de produção por Stanley Kubrick. Kubrick, que morreu em 1999, gostaria disso. Assim como Orson Welles, Hitchcock ou seu cineasta favorito, o vienense Max Ophüls, ele era um formalista. A graça estava no como.

Mesmo o seu fanatismo pela exatidão era formalista. Hoje sabemos que, antes dos cinco anos que lhe tomou a preparação do filme, Kubrick leu toneladas de ficção científica — Robert Heinlein, Isaac Asimov, Alfred Bester, Ray Bradbury, Robert Sheckley, John Wyndham, Frederik Pohl, Poul Anderson— antes de se decidir por Arthur C. Clarke como parceiro. Clarke estava mais para a ciência do que para a ficção. Kubrick exigia que até a ficção fosse formalment­e verdadeira.

Clarke, especialis­ta em satélites e viagens espaciais, foi fundamenta­l para Kubrick na sua corrida contra uma concorrent­e colossal: a Nasa. Por causa dela e dos russos, todos nós, nos anos 60, vivíamos de olho no espaço. De seis em seis meses, um homem dava piruetas em volta da Terra —a qualquer momento alguém iria descer na Lua.

Kubrick acompanhav­a cada movimento da Nasa. Sabia que, se não lançasse logo seu filme, seria caroneado pela realidade. Isso não aconteceu, mas por pouco —a Apollo 11 chegou à Lua em julho de 1969, apenas um ano depois de “2001”.

Os céticos de sempre começaram a dizer que a descida do homem na Lua era uma fraude, produzida por Kubrick para a Nasa. Como se Kubrick pudesse se contentar com aquelas imagens tíbias e tremelican­tes que todos vimos pela televisão, depois de ter posto na tela a glória em cores e em Cinerama de “2001”.

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