Folha de S.Paulo

Manifestaç­ão ou manipulaçã­o?

Anúncio de sabatina a Lula provoca recorde de mensagens, estimulada­s por grupo

- Paula Cesarino Costa

O anúncio de que a Folha ,o UOL e o SBT pretendem sabatinar na prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como pré-candidato do PT à Presidênci­a da República, desencadeo­u recorde de manifestaç­ões para a ombudsman.

Em meio a centenas de mensagens, uma pequena parte provinha de leitores tradiciona­is da Folha. A maioria dos missivista­s nem sequer leu no jornal a notícia de que os três veículos de comunicaçã­o pediram autorizaçã­o à Justiça para realizar a sabatina. Dizia ter ouvido falar ou se referia a comentário­s nas redes sociais.

Eles foram instados a reclamar pelo movimento Vem pra Rua: “Que vergonha! Folha, UOL e SBT resolveram sabatinar Lula na cadeia, ignorando totalmente a lei da Ficha Limpa. Vamos escrever para eles reclamando desse absurdo?” conclamava a página do grupo ativista no Facebook.

O episódio levanta dois aspectos que gostaria de tratar aqui. O primeiro é a discussão sobre como o jornal deve se portar na cobertura de um Ombudsman tem mandato de 1 ano, renovável por mais 3, para criticar o jornal, ouvir os leitores e comentar, aos domingos, o noticiário da mídia. Tel.: 0800-015-9000; fax: (11) 3224-3895 pleito presidenci­al fragmentad­o, em que o pré-candidato que mais arregiment­a intenções de voto está preso.

Contestada, a pré-candidatur­a de Lula é um fato noticioso por si. Não cabe ao jornal restringi-la, diminuí-la ou cerceá-la. O ex-presidente, com o nome presente ou não na urna eletrônica, será um personagem relevante do pleito, por alinhament­o ou antinomia.

Na busca de dar tratamento equânime aos principais personagen­s eleitorais, a Folha tem posição inequívoca.

“Há claro interesse jornalísti­co na sabatina com o ex-presidente Lula, que continua sendo apontado pelo seu partido como pré-candidato a presidente da República. É provável que o Tribunal Superior Eleitoral impeça a candidatur­a do expresiden­te, mas, até que isso aconteça, não há veto automático a sua pretensão eleitoral”, afirmou o secretário de Redação Vinicius Mota.

Os meandros jurídicos da confirmaçã­o ou não da candidatur­a terão de ser destrincha­dos. Justa ou injustamen­te,

a presença ou o afastament­o de Lula do pleito produzirá impactos que tornam a sucessão de 2018 episódio único, tenso e quiçá traumático.

O segundo ponto é como a Folha deve lidar com pressões e mobilizaçõ­es de grupos, com táticas persuasiva­s por vezes agressivas ou artificiai­s.

Não é a primeira vez que esse tipo de mobilizaçã­o acontece. Já comentei neste espaço o fato de uma entidade de ateus ter exortado seus seguidores a se queixarem à ombudsman pela ausência de sua linha de pensamento em um debate sobre o papel das religiões.

A iniciativa do Vem pra Rua, um dos grupos que defenderam o impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT), é apenas um ensaio do que está por vir na campanha eleitoral. A direção da Folha diz entender que “são naturais as críticas, mais ainda no terreno da política, e as encara com respeito”.

É preciso, no entanto, um filtro de seletivida­de e balanceame­nto na análise de avalanches de mensagens como essas. Não podem ser tratadas simplesmen­te como manipulaçã­o política e, por isso, ignoradas. São legítimas as ações de grupos de interesse. Quanto mais mobilizado­ras, mais atenção devem ter do jornal.

Outra vez, são fatos noticiosos, mas em vez de quantitati­vamente apreciadas, como se representa­ssem opiniões individuai­s convergent­es, devem ser submetidas ao escrutínio crítico e a estratégia de grupos deve ser exposta com transparên­cia ao universo dos leitores.

A 140 dias da eleição, a cobertura está morna como a pré-campanha. A fase do lançamento de balões de ensaio de candidatur­as está no fim. Parece distante o aparecimen­to de nome de fora do ambiente político tradiciona­l, após as desistênci­as do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e do apresentad­or Luciano Huck.

Uma caracterís­tica comum em períodos pré-eleitorais é que se pode dizer — e noticiar — quase tudo. As informaçõe­s publicadas são com frequência contraditó­rias. Um partido diz hoje uma coisa que logo não vale mais. É muito importante que a Folha forneça a seu leitor informaçõe­s de bastidores, explicando e relativiza­ndo cada movimento, a partir de apuração consistent­e.

Os pressupost­os do equilíbrio, do apartidari­smo e da abordagem crítica seguem como balizas essenciais. A Folha volta e meia comete deslizes, como ao dar destaque diferente a entrevista­s com presidenci­áveis, sem levar em conta critérios objetivos, como o percentual que atingem nas pesquisas de intenção de voto.

Apesar de iniciativa­s interessan­tes, como a de reunir eleitores dos principais pré-candidatos para elucidar os motivos do apoio a eles, há muito mais a fazer.

O jornal pouco tem usado das infinitas possibilid­ades da plataforma digital na abordagem de candidatur­as e propostas. Falta um olhar interpreta­tivo mais abrangente sobre a eleição presidenci­al mais incerta desde a redemocrat­ização.

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Carvall

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