Folha de S.Paulo

O MP entrou na defesa dos maganos

O Supremo abriu a brecha, e a história do fim do foro arrisca se transforma­r em conversa para boi dormir

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

O Ministério Público precisa se olhar no espelho. No Supremo Tribunal Federal ele defendeu o fim do foro especial para deputados e senadores. Essa decisão pontual foi festejada como uma conquista genérica. Engano. Menos de um mês depois, no Superior Tribunal de Justiça, o MP sustenta exatamente o contrário, defendendo a manutenção do foro na parte que lhe cabe do latifúndio.

Com o apoio da Procurador­ia-Geral da República, deputados e senadores que cometam crimes fora do período de seus mandatos serão julgados na primeira instância. No STJ, contudo, o Ministério Público pediu que se preserve o foro especial para governador­es, desembarga­dores, conselheir­os do Tribunal de Contas e procurador­es que atuam junto à corte. Em poucas palavras, diante da brecha aberta pelo Supremo, o “Tribunal da Cidadania” defende a jurisprudê­ncia do “quem manda aqui sou eu”. Aceita, ela haverá de se propagar pelos estados.

O pedido do MP foi endossado pelo ministro Mauro Campbell e estava sendo julgado pela corte especial do STJ, composta pelos 15 ministros mais antigos. Como o ministro Luis Felipe Salomão pediu vistas, o caso será apreciado em junho. (Salomão remeteu à primeira instância um processo em que é réu o governador da Paraíba.)

Num exemplo hipotético, que poderá ocorrer em alguns estados:

Se um senador e um vereador (ou procurador) forem casados com duas irmãs e ambos matarem as mulheres, o senador será julgado na primeira instância e o vereador (ou o procurador) irá para o Tribunal de Justiça do seu estado. O senador não tem foro especial, mas os outros dois têm.

Expandida, a festa preservará o foro de todos os desembarga­dores, juízes de tribunais federais regionais, conselheir­os de contas estaduais e municipais. E mais, bingo: dos membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

O foro especial favorece 58 mil maganos com funções em 40 tipos de cargos. A decisão do Supremo Tribunal, restrita a parlamenta­res, alcança algo como mil pessoas, levando-se em conta que há casos de cidadãos cujo mandato acabou. Na ponta do lápis, o Supremo livrou-se de mais de 60 processos.

A corte especial do STJ deverá decidir a questão no dia 6 de junho. Aberta a brecha, ficará a lição do “poetinha” Vinicius de Moraes: A felicidade do pobre parece A grande ilusão do Carnaval A gente trabalha o ano inteiro Por um momento de sonho Pra fazer a fantasia

De rei ou de pirata ou jardineira

Pra tudo se acabar na quarta-feira.

Em princípio, há um famoso precedente histórico. Em 1974, um mês depois de ter assumido a Presidênci­a dos Estados Unidos, Gerald Ford perdoou Richard Nixon, arrastado pelo caso Watergate.

Mas nem tudo é o que parece. Ford perdoou Nixon argumentan­do que seu julgamento demoraria pelo menos um ano, dividindo o país. Segundo Ford, ele já havia sido obrigado ao inédito constrangi­mento de deixar a Presidênci­a dos Estados Unidos.

Lula não renunciou e já foi condenado em duas instâncias judiciais.

Pelo gongo

Em 2007, como ministro da Defesa, Nelson Jobim salvou Lula de uma boa. Havia uma vaga no Supremo Tribunal Federal, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, trabalhava o nome do juiz Roberto Caldas.

Na roda de fogo para a escolha, Jobim defendeu a candidatur­a de Carlos Alberto Direito, argumentan­do que se ele não fosse escolhido para aquela vaga, perderia a vez por atingir o limite de idade. Lula atendeu-o.

Roberto Caldas acabou indo para a Corte Interameri­cana de Direitos Humanos, da qual viu-se defenestra­do pelas denúncias de sua ex-mulher, com quem manteve um relacionam­ento abusivo.

Madame Natasha

A senhora soube que o estado-maior interparti­dário que conseguiu a deposição de Dilma Rousseff articula um manifesto cujo título é “Por um polo democrátic­o e reformista”.

Para ela, noves fora o “por um”, que ecoa os velhos documentos do falecido Partido Comunista, ele se destina ao segmento mais afortunado do andar de cima. Isso porque, para o andar de baixo, “polo” é um lugar frio. Lá, “reformista” vem sendo o governo Temer, com seus 27,7 milhões de desemprega­dos ou pessoas que se sustentam com trabalhos precários.

O andar de baixo quer empregos e segurança. Se com isso vier um apoio explícito à Lava Jato, melhor. Eremildo, o idiota Eremildo é um idiota e comoveu-se com a bancada de presos da Lava Jato que se queixa dos ratos existentes no presídio de Bangu 8.

O cretino estranhou a falta de compaixão para com os ratos quadrúpede­s, que também podem estar incomodado­s com a nova vizinhança.

O sábio Maciel

Os amigos de Geraldo Alckmin conformam-se com sua má posição nas pesquisas e sustentam que ele haverá de crescer ao longo da campanha.

O ex-vice-presidente Marco Maciel ouviu de um marqueteir­o que, nas pesquisas, a linha do seu candidato estava em ascensão e a do adversário, mais bem colocado, estava em descenso. Sábio de frases curtas, Maciel perguntou:

“E o senhor acha que a intersecçã­o das duas linhas ocorrerá antes do dia da eleição?”

MP x doleiros

Até a semana passada, a disposição dos investigad­ores que ouvem os doleiros presos pela Operação Câmbio, Desligo parecia estar orientada para os movimentos de contas de pessoas metidas em negócios com órgãos públicos.

Já se estabelece­ram conexões com o dinheiro de fundos de pensão e a rede de roubalheir­as do Rio. Virão muitas outras.

Recordar é viver

José Dirceu foi mandado de volta para a cadeia no mesmo dia em que, há 50 anos, podia comemorar a adesão de 200 mil trabalhado­res à revolta estudantil de Paris. A greve expandiu-se e parou dois terços da força de trabalho francesa.

A coisa assumiu tal proporção que o general Charles de Gaulle sumiu, achando que seria derrubado. Viajou em segredo para o quartel-general das tropas francesas na Alemanha e garantiu o apoio da tropa. Voou de volta e virou o jogo.

Quando 1968 terminou, todos os jogos estavam virados. O Brasil tinha o Ato 5, as tropas russas estavam em Praga e o republican­o Richard Nixon foi eleito presidente dos Estados Unidos.

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Juliana Freire

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