Folha de S.Paulo

A julgar pela vocação dos noivos, foi um casamento do terceiro setor

- -Barbara Gancia Repórter especial do canal GNT

ANÁLISE O casamento de Harry e Meghan ultrapasso­u a última fronteira. Antes deles, William e Kate, Andrew e Sarah, Charles e Diana, Margaret e Tony, Elizabeth e Philip, nenhuma dessas uniões contou com aprovação unânime.

Antimonarq­uistas, republican­os e as esquerdas do mundo, ou seja, os céticos ranzinzas que desde sempre defendem que monarquia é frivolidad­e e que não dá para levar a sério como líder de um país e chefe da igreja alguém cujo único mérito foi ter nascido em berço esplêndido, terão de se render.

Estamos testemunha­ndo a vitória de uma inequívoca e persistent­e campanha de relações públicas e branding iniciada depois de a então insensível casa real de Windsor ter metido os pés pelas mãos na ocasião da morte da princesa Diana.

O polimento da imagem começou com o lançamento do filme “A Rainha”, mostrando os bastidores do enterro da autoprocla­mada “princesa do povo”, Diana de Gales.

Depois vieram “The Audience”, peça levada em Londres e Nova York, que tratava dos encontros semanais entre a rainha e seu primeiromi­nistro, e “O Discurso do Rei”, filme sobre as desventura­s do pai de Elizabeth, o rei George, que virou rei depois de seu irmão Edward abdicar do trono.

Aos poucos, a imagem da casarealbr­itânicafoi­setornando mais palatável. A resistênci­a ao anacronism­o que a monarquia representa, celebrado na letra da música “God Save the Queen”, do grupo punk Sex Pistols (“Deus salve a rainha, ela não é um ser humano”), deu lugar a um novo produto para o consumo de gerações menos contestado­ras, uma rainha saída de um catálogo Pantone em tons que trafegam entre a vivacidade do “amarelo Garibaldo da Vila Sésamo” e o “cor de rosa Barbie”.

Elizabeth pulou (de brincadeir­inha) de paraquedas nos braços de James Bond (na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres) e virou ícone pop. Hoje, sua imagem e a de seus cãezinhos corgi está à disposição nas lojas de suvenires.

O gol indiscutív­el dessa virada, urdido pelos alquimista­s do marketing que atendem a conta do palácio de Buckingham, foi o seriado “The Crown”, da Netflix.

É claro que o crédito ao príncipe Harry também é devido. Ele se tornou um personagem tão perfeito para o papel que nenhum departamen­to de marketing poderia conceber.

Por menos disposição que se tenha para os “royals”, não dá para ficar indiferent­e a Harry. O mundo o viu, aos 12 anos, caminhar bravamente atrás do cortejo fúnebre da mãe. Acompanham­os sua adolescênc­ia rebelde e o vimos lutar no Afeganistã­o. Hoje se dedica às causas sociais e parece genuíno. E ainda por cima é simpático.

Cobri o casamento de William e Kate em meio à multidão, diante de um telão no Hyde Park de Londres. O mundo quase veio abaixo quando ele surgiu na tela. Ninguém —nem a rainha— foi mais ovacionado do que Harry.

Ocasamento­darainhaEl­izabeth e do príncipe Philip marcou o encerramen­to de uma era conturbada de duas guerras mundiais. O de Charles e Diana foi o último casamento real arranjado. Este, agora, entre o príncipe e sua princesa mestiça, parece simbolizar a entrada de uma era mais tolerante e inclusiva.

A julgar pela vocação dos noivos, a escolha de convidados e as causas selecionad­as para receber as doações que virão no lugar dos presentes, é possível afirmar que o de Harry e Meghan foi um casamento do terceiro setor. Abram alas, sr. e sra. George Clooney, Harry e Meghan vêm aí!

Cobri o casamento de William e Kate. O mundo quase veio abaixo quando ele surgiu. Ninguém —nem a rainha— foi mais ovacionado do que Harry

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Ben Birchall/Pool via AFP

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