Vítimas de adoções forçadas buscam respostas na Alemanha
Parlamento fará audiência pública sobre lista de petições entregue por associação
são paulo Katrin Behr tinha quatro anos de idade quando homens levaram sua mãe de casa. Eles vestiam roupas civis, e ninguém podia dizer ao certo se eram policiais ou agentes da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental (RDA).
“Dava para saber pelo tom das vozes que algo muito ruim estava acontecendo, mas, como criança, não tinha real consciência do que estava errado”, contou à Folha.
Com a mãe presa, ela e o irmão foram adotados por famílias diferentes. “Minha família biológica simplesmente não era um assunto. Lembro-me de que, quando tinha 11 anos, perguntei sobre o que tinha acontecido com eles. Mas era um tema muito incômodo e, depois disso, nunca mais perguntei.”
Foram 19 anos até Behr reencontrar a mãe e o irmão, em 1991 —dois anos após a queda do Muro de Berlim e um após a reunificação alemã.
“De repente eu não era mais criança, e minha mãe estava severamente doente. Foi muito louco, porque a criança dentro de mim gritava ‘minha mãe, minha mãe’, mas a Katrin adulta dizia ‘oh Deus, essa mulher é uma completa estranha’. Foi muito caloroso, mas também muito estranho.”
A história de Katrin Behr, 50, ilustra uma faceta pouco conhecida do regime comunista da antiga Alemanha Oriental: as adoções forçadas ou ilegais.
Dimensionar o fenômeno é arriscado: as estimativas variam de 1.000 famílias a 75 mil adoções. Este último número é da Associação para Crianças Roubadas na RDA.
“Nossa avaliação é que entre 10% e 15% [das adoções] ocorreram em casos em que a prioridade não era o bemestar da criança, e sim o reforço da imagem de uma sociedade socialista”, explicou o porta-voz da associação, Frank Schumman.
Em fevereiro, um estudo oficial preliminar definiu assim as adoções forçadas por motivos políticos: “A medida estatal de remover uma ou mais crianças de uma família e sua reintegração a uma outra família contra o desejo explícito dos pais biológicos, como a punição de um comportamento dos pais que não colocava em perigo o bem-estar da criança em questão e que era o motivo central dessa medida”. O estudo recomendou a ampliação da investigação.
Os relatos –de pais que foram presos e perderam os filhos de vista, de mães informadas na maternidade de que seus filhos haviam morrido– lembram, em escala menor, os coletados durante a ditadura da Argentina (1976-1983). Lá, as Avós da Praça de Maio ajudaram a restituir até agora a identidade de 125 descendentes de desaparecidos políticos, adotados ilegalmente.
A associação de Schumann coletou 162 casos de mortes não explicadas ou misteriosas de bebês (supostamente dados em adoção).
Sua mulher, a quem conhe- ceu em 2001, é uma das vítimas. A filha dela tinha 3 anos quando foi declarada morta após um acidente. “No entanto, no funeral, viram que o caixão estava vazio”, contou.
O grupo sustenta a possibilidade de que muitas crianças adotadas por famílias ligadas ao regime tenham sido levadas para a América do Sul no período imediatamente após a queda do muro e hoje vivam sob falsas identidades.
Schumann lembra que muitos nazistas -como Josef Mengele e Adolf Eichmann- usaram a chamada “Linha dos Ratos” para se refugiar na América do Sul sob nova identidade. Ex-membros da RDA usaram rotas de fuga semelhantes, especialmente para o Chile.
O historiador Thomas Lindenberger, da Universidade Técnica de Dresden, rejeita a noção de que a maioria das adoções forçadas da RDA tenha sido ilegal ou política.
“A maioria das medidas de serviço social ao lidarem com crianças vulneráveis na Alemanha Oriental era necessária e justificada pelos padrões ocidentais”, disse ele.
Os “raros” casos de adoções forçadas com motivação política aconteciam, segundo Lindenberger, quando “os pais eram penalizados por causa