Folha de S.Paulo

‘Quando você chega à prisão, é muita lágrima, muita dor’

Brasileira há 16 anos nos EUA e em vias de legalizaçã­o relata meses na cadeia MINHA HISTÓRIA

- Depoimento a Estelita Hass Carazzai

completa, Ligue ou na compra da coleção

Grande São Paulo) (outras localidade­s). LUCIMAR DE SOUZA washington Nos Estados Unidos há 16 anos e em processo de legalizaçã­o, a brasileira Lucimar de Souza, 49, não imaginava que poderia ser presa na saída de uma audiência, logo depois que o seu casamento com um americano foi aprovado pelas autoridade­s de imigração. “Já estavam me esperando na porta”, contou à Folha.

Ela foi encaminhad­a a um presídio, em razão de uma ordem de deportação de 2002, e passou pouco mais de três meses detida —foi libertada no último dia 8.

Eu sou de Governador Valadares (MG). Vim para os EUA porque escolhi o país para ter minha família, para viver o sonho americano. Eu vim pelo México, ilegalment­e. Comecei a trabalhar como faxineira e fui conquistan­do as minhas coisas. O bom desse país é isso: trabalhand­o, a gente consegue alcançar nossos objetivos.

A adaptação foi difícil, mas depois que você fica, se apaixona. Em 2006, conheci meu marido, que era meu vizinho. Casamos e tivemos um filho, o Anthony, que hoje tem dez anos.

Em 2016, demos entrada nos papéis para regulariza­r minha situação, porque o governo americano abriu um benefício para quem era casado com um americano e tinha ordem de deportação.

Só que o trâmite é demorado. No início do ano, dia 30 de janeiro, fui a uma audiência para reconhecer­em o meu casamento. Passamos por uma entrevista, fizeram perguntas, e foi aprovado. Quando saí, o ICE [agência americana de imigração] já estava na porta me esperando.

Disseram que eu seria detida, mas só para questões burocrátic­as. Fui sozinha com eles. Me levaram para o escritório, tiraram minhas digitais... Foi quando me contaram que eu iria para o presídio.

Aí me desesperei; entrei em pânico. Mas fui seguindo as instruções, não tem como questionar muito. Sabia que tinha uma ordem de deportação [detida na fronteira em 2002, ela foi liberada sob obrigação de comparecer a uma audiência de imigração, mas diz não ter sido notificada].

É muito triste porque, a partir do momento em que você é detido, você é um criminoso e é tratado como tal. Fui encaminhad­a para uma ala de imigrantes. Eram 16 celas, com duas camas, um vaso e uma pia. O chuveiro ficava no corredor. Ficávamos trancadas, mas tínhamos quatro horários de descanso. Eram duas horas cada um. Aí podíamos ficar num salão, onde a gente conversava umas com as outras, brincávamo­s, assistíamo­s TV. Chegamos a estar em 32 mulheres, mas no último mês foi diminuindo.

Quando você chega, é muita lágrima, muita dor. Todas que estavam ali nunca haviam passado por essa experiênci­a. Mas, graças a Deus, o povo brasileiro é muito caloroso. Assim que eu cheguei, outras brasileira­s vieram falar comigo, me consolaram.

Meu único medo era ser deportada. Várias foram enquanto eu estava lá. Eles chegam com um aviso, dizendo que seu voo é na próxima semana. Mas não dão horário, não dão dia. Muitas vezes, batem na cela de madrugada. E aí ficava um clima de velório. Porque é tudo o que não queríamos. É o fim de um sonho. São mães, são esposas, são mulheres como eu.

Para mim, o pior momento na prisão era quando meu filho ia me visitar e, na hora de ir embora, falava: “Mãe, eu não quero ir; deixa eu ficar com você”. Isso me doía bastante. Depois que ele ia, eu chorava. Mas na frente dele, não.

Recebi a notícia da libertação numa audiência, na corte. Fiquei em choque. Mas fiquei muito feliz. Ontem mesmo, eu estava andando com meu marido na rua e falei: “Parece que estou sonhando”.

Ainda me sinto muito bem aqui. Porque o que aconteceu foi consequênc­ia de uma lei. Infelizmen­te, o processo foi arbitrário em algumas partes. Mas não posso generaliza­r e dizer que o país não é bom. O país é ótimo, é maravilhos­o.

O governo [de Donald Trump] causou certo pânico entre os imigrantes. Mas a fase dele também vai passar. O meu sonho é ser americana. Pode escrever: um dia, eu vou ter minha cidadania.

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Divulgação Lucimar abraça o filho, Anthony, após ser libertada
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