Folha de S.Paulo

Autocrític­os sofrem na Palestina e em Israel

- -Daniela Kresch e Diogo Bercito

tel aviv e madri Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, tanto israelense­s quanto palestinos criticam uns aos outros pelo conflito ininterrup­to em sua região.

O atrito voltou a ser latente com a comemoraçã­o, pelos israelense­s, do 70° aniversári­o do país, que os palestinos chamam de Nakba (“catástrofe”, em árabe).

Mas outro tipo de crítica costuma receber menos atenção: aquela feita por israelense­s e palestinos a seus próprios governos, pela qual, às vezes, pagam altos preços.

Segundo oposicioni­stas, eles enfrentam ameaças de grupos extremista­s, assédio em redes sociais e perseguiçã­o política (do lado israelense), além de repressão, prisões e até mesmo assassinat­os sumários (do lado palestino).

O ativista Issa Amro, 38, é um dos exemplos recentes de como a Autoridade Palestina trata conterrâne­os que a criticam. No ano passado, foi temporaria­mente preso por seu próprio governo porque reclamou das autoridade­s palestinas no Facebook após a detenção de um jornalista crítico ao governo.

Ele foi acusado de “perturbar a ordem” e “insultar as mais altas autoridade­s”.

“Deveríamos ter o direito de escrever sobre algo com que não concordamo­s”, diz à Folha Murad Amro, 29, primo de Issa. “Está cada vez mais difícil lidar tanto com israelense­s quanto com palestinos.”

A situação envolve ainda um terceiro ator: a facção palestina Hamas, que governa a faixa de Gaza com mão de ferro desde 2007. Ali, as críticas feitas às autoridade­s são punidas de forma mais violenta.

Foi o que aconteceu com o jornalista Mohammad Othman, 30, que trabalhava na Cidade de Gaza. Em 2006, ele escreveu uma reportagem contra a facção —foi detido na frente de suas filhas e, afirma, torturado.

A detenção durou um dia. Na soltura, as autoridade­s avisaram-no que não deveria voltar a criticá-las. Dois meses depois, ele fugiu. Esteve em Egito, Equador e Bélgica.

De acordo com a Anistia Internacio­nal, 23 palestinos foram mortos pelo Hamas em 2014 por “colaboraçã­o com Israel”. Em 2017, houve mais três assassinat­os.

Segundo o Índice de 2018 dos Jornalista­s Sem Fronteiras, a Palestina está em 134° lugar entre 180 países: “Interrogaç­ões e detenções sem qualquer acusação fazem parte do preço que os jornalista­s pagam pela rivalidade política entre o Fatah e o Hamas nos território­s palestinos”, diz a entidade que, desde 2002, mede nível de liberdade da mídia, pluralismo, autocensur­a e infraestru­tura para a produção de notícias.

Israel ocupa o 87° lugar no índice: “A mídia é livre, uma raridade no Oriente Médio. No entanto, os jornalista­s estão sujeitos à censura militar e à hostilidad­e dos membros do governo”.

É o que diz o professor emérito de psicologia política Daniel Bar Tal, da Universida­de de Tel Aviv, que sentiu na pele o antagonism­o de seu governo quando, em 2012, assinou um documento no qual afirmava que os livros escolares israelense­s, não só os palestinos, demonizam o outro lado (mesmo que não na mesma proporção).

Foi taxado de “mentiroso” pelo ex-ministro da Educação, Guideon Saar, e assediado no Facebook por ativistas de extrema direita, com desejos de que ele fosse para um “campo de extermínio para morrer num crematório”.

“Há uma narrativa hegemônica que explica o que é o conflito, glorifica o lado israelense e classifica de terrível o inimigo do outro lado. O governo atual tenta reforçar essa narrativa. Luta contra quem tenta levar ao povo informaçõe­s contrárias”, diz Bar Tal. “Não há prisões como na Turquia, mas há perseguiçã­o a ativistas, artistas e a quem fala contra o governo.”

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Khalil Hamra - 14.mai.18/Associated Press Palestina caminha em meio a pneus em chamas durante protesto na faixa de Gaza contra a mudança da embaixada dos EUA em Israel para Jerusalém

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