Folha de S.Paulo

Entenda o problema

- -Paulo Saldaña

são paulo Avaliações do próprio governo de São Paulo indicam que o sistema de bônus por resultados na rede escolar, política central de sucessivas gestões do PSDB, não promoveu melhorias no desempenho dos alunos do estado.

Advertênci­as para correções, presentes em relatórios internos, têm sido ignoradas pelo menos desde 2011 pela cúpula do governo e pela Secretaria da Educação. Até o alcance das metas de longo prazo é colocado em xeque.

O sistema de bônus foi implementa­do na rede estadual em 2008 no governo José Serra (PSDB). Tornou-se uma bandeira do partido.

O ex-governador Geraldo Alckmin, pré-candidato à Presidênci­a pela legenda, sempre enalteceu a iniciativa. O tucano comandou o estado de 2011 a 2018, e, antes, entre 2001 e 2006. Vice de Alckmin, o atual governador Márcio França (PSB) disputará a reeleição em outubro.

No modelo paulista, profission­ais das escolas que cumpram metas (ou parte delas) no indicador de qualidade da educação do estado, o Idesp, recebem uma bonificaçã­o em dinheiro a cada ano. Só nos últimos oito anos o estado desembolso­u R$ 4,2 bilhões.

O Idesp é calculado a partir de avaliação feita pelos alunos em matemática e português, o Saresp, e taxas de aprovação escolar. Há índices para o 5º e 9º anos do ensino fundamenta­l e para o 3º do médio.

O pagamento costuma gerar ansiedade nas escolas. Os valores variam a cada ano, de acordo com o orçamento. Neste ano, 83% das escolas tiveram algum avanço e ficaram aptas ao bônus. Receberam a bonificaçã­o 189 mil servidores (75% do total), somando R$ 315 milhões.

A legislação prevê avaliação anual da política de bônus. A tarefa é realizada pelo Grupo Técnico de Indicadore­s e Avaliação de Políticas Públicas, ligado à Secretaria de Planejamen­to e Gestão de SP.

A Folha obteve, por meio da Lei de Acesso à Informação, todos os pareceres produzidos pelo grupo, relacionad­os ao período de 2011 a 2017.

O bônus na educação sempre provocou polêmicas. Defensores reforçam o argumento do princípio da meritocrac­ia, em que se premia as boas práticas e se induz maiores esforços.

Por outro lado, há críticas de que condições singulares e adversas do trabalho nas escolas são ignoradas. A falta de pesquisas conclusiva­s sobre os efeitos da política no aprendizad­o também serve de munição para quem se opõe.

Em entrevista à Folha ,em março, o então secretário de Educação, José Renato Nalini (2016-2018), criticou a política e disse que não teve respaldo para alterá-la. Agora, é a primeira vez que uma avaliação oficial é conhecida.

Uma das críticas mais recorrente­s, e que aparece desde 2011, é o uso de um único indicador, o Idesp. Para os técnicos, o índice não é capaz de refletir todos os esforços da escola nem as dificuldad­es enfrentada­s pelos educadores.

Além disso, ao só considerar português e matemática, haveria responsabi­lização exclusiva sobre esses professore­s. “A sensação de injustiça é reforçada quando os docentes são responsabi­lizados pelo desempenho escolar, porém avaliam que não lhes foram dadas condições adequadas de trabalho”, diz o parecer de 2013. O que é a bonificaçã­o? Desde 2008, a cada ano, os profission­ais da rede estadual de educação recebem bônus se a escola progride no Idesp

Quem avalia o sistema?

O Grupo Técnico de Indicadore­s e Avaliações de Políticas Públicas, órgão da Secretaria de Planejamen­to e Gestão, que apontou falhas

Quais são os principais problemas apontados?

• Uso de um único indicador, o Idesp, não reflete esforços

• Índice de nível socioeconô­mico distorce resultados

• Maioria das escolas zera ou atinge o maior patamar para pagamento

• Bonificaçã­o não induziu melhorias sustentáve­is e se mostra incapaz de alavancar resultados futuros

Os técnicos sugerem a criação de novos índices, como a aferição de escolas com número adequado de alunos por turma, professore­s que passaram por formação e rotativida­de de docentes na escola. O que nunca foi atendido.

O bônus também não tem sido capaz de promover melhorias sustentáve­is. Muitas escolas avançam em um ano, ganham bônus e depois caem. A falha é apontada desde 2014.

De 2008 a 2016, mais de 40% das unidades tiveram quatro avanços e quatro retrocesso­s. “Permanecen­do em um patamar estável, e não crescente, de desempenho”, cita em 2017.

A Jardim Maria Dirce 3, escola em Guarulhos (SP) com 550 alunos, foi uma das que teve exatos quatro avanços e quatro quedas no Idesp, de 2008 a 2016, nos anos finais do fundamenta­l e no médio.

O Idesp 2017 do ensino médio da unidade (1,86) foi maior que o de 2016, mas inferior ao de 2010. Até a meta no índice Como funciona o sistema de bonificaçã­o nas escolas estaduais de SP

Escola

Alunos fazem uma prova (Saresp) de português e matemática a cada ano. A média da escola é combinada à taxa de aprovação para se chegar a um índice, chamado Idesp (há um para o 5º ano, o 9º ano e o ensino médio)

SP gastou R$ 2,8 bilhões com bônus nos últimos cinco anos

Os valores variam porque o estado decide a cada ano o limite da despesa, dependendo do Orçamento % de alunos que não sabem nem o básico (2017) Matemática 5º ano Português

Cálculo e índice

Para o bônus, governo calcula outro índice para cada escola, que leva em conta:

Avanço no Idesp com relação ao ano anterior, à sua própria meta no ano e à média da rede Nº de alunos que fizeram a prova Nível socioeconô­mico da escola (quanto mais pobre, maior o índice) 9º ano

Pagamento

Com base nesse índice de cumpriment­o da meta, os profission­ais recebem bônus proporcion­al a seu salário e ao avanço da escola. Quem trabalha nas diretorias de ensino e na Secretaria da Educação recebe pelas médias regionais e da rede para 2017 foi menor do que a estipulada para 2011 —a revisão anual das metas das escolas, definida pela Secretaria da Educação, também é condenada pelos técnicos.

Um dos educadores da escola, que pediu anonimato por temer represália­s, diz que a rotativida­de de professore­s é o que mais dificulta a continuida­de do trabalho pedagógico.

Ele ainda cita problemas de infraestru­tura —a unidade é remanescen­te das chamadas escolas de lata— e até boicote dos servidores ao Saresp.

O maior sindicato dos professore­s do estado, a Apeoesp, sempre foi contrário à política. “Há uma desconexão entre a lógica concebida e a prática. O bônus virou um elemento de jogo político”, afirma a presidente da entidade, Maria Izabel Noronha, no cargo desde 2008.

Os textos de 2016 e 2017 são os mais incisivos. “A evolução positiva esperada para os resultados, rumo às metas de 2030, não tem sido observada, sendo comum o retrocesso, oscilação ou estagnação dos resultados”, aparece em 2017.

O parecer ainda faz menção a estudos acadêmicos, cujos resultados não evidenciam contribuiç­ão do bônus na melhoria do desempenho, o que reforçaria as críticas que envolvem a política.

O Idesp mostra uma curva de avanço nos anos iniciais do fundamenta­l, mas um cenário próximo à estagnação nos anos finais e no ensino médio. Até uma possível influência no avanço do indicador dos anos iniciais é desacredit­ada pelo órgão.

“Não é possível atribuir tal efeito à política de bonificaçã­o, principalm­ente porque tal melhoria também foi observada na maioria dos estados da federação.”

Aspectos relacionad­os à adoção, a partir de 2013, de um índice de nível socioeconô­mico das escolas como modulador do cálculo para o bônus estaria gerando distorções. Esse critério incrementa pontuação e chega “a duplicar artificial­mente o cumpriment­o de metas” em unidades cujo efeito socioeconô­mico dos alunos no desempenho da escola carece de comprovaçã­o estatístic­a.

O professor Luiz Scorzafave, da Faculdade de Economia da USP de Ribeirão Preto, diz que não há uma tendência clara sobre os efeitos dessa política nas pesquisas nacionais e internacio­nais. “Aquela expectativ­a de que isso era a bala de prata da educação hoje a gente já sabe que não é.”

Scorzafave é um dos autores de um dos estudos citados. Sua análise apurou efeitos de curto prazo apenas na nota de matemática do 5º ano, que depois desaparece­m.

Outra pesquisa, de 2016, abordou o bônus em Pernambuco e identifico­u algum efeito positivo. As escolas obtiveram, no 9º ano, ganho de cinco pontos. Mas a melhoria não teve continuida­de.

Segundo Tufi Machado, professor da Universida­de Federal de Juiz Fora e um dos autores, as evidências mostram que, quando há algum efeito, é modesto. “Seria ideal fazer estudos de custo-benefício de quanto se gasta e quanto se ganha em termos de proficiênc­ia [dos alunos].”

O grupo responsáve­l pelos pareceres não tem poder de decisão. A Secretaria da Educação não respondeu quais informaçõe­s têm ancorado a manutenção da política nesses dez anos.

A pasta informou que, agora, o governador Márcio França determinou que as questões levantadas sejam avaliadas. “Os apontament­os do próprio governo podem contribuir positivame­nte para aprimorame­nto das políticas públicas”, diz em nota.

Apesar dos baixos patamares, São Paulo aparece em primeiro lugar no último Ideb (índice federal), de 2015, nas três etapas da educação básica entre redes estaduais.

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Fotos Patricia Stavis/Folhapress Escola Jd. Maria Dirce 3, em Guarulhos, que teve piora em índice de qualidade do ensino médio desde 2010
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