Folha de S.Paulo

Covas esvazia promessa sobre privatizaç­ões

Vereadores da base do prefeito mudam lei para permitir envio de recursos de fundo social para prefeitura­s regionais

- Edital está previsto para o 2º.sem, mas, como depende do governo do estado, deve demorar mais -Guilherme Seto Primeiro pacote, com Ibirapuera, deve ser concedido em agosto; outros pacotes devem ser lançados no 2º.sem Em abril, prefeitura lançou o edital d

são paulo Incluída de última hora em projeto de lei pelos vereadores da base aliada de Bruno Covas (PSDB) e sancionada às pressas pelo novo prefeito dias após o desabament­o do edifício Wilton Paes de Almeida, uma mudança nas regras do fundo municipal de desestatiz­ação atingiu em cheio sua essência social.

Ao aprovarem o projeto de lei de privatizaç­ão do Anhembi em 2 de maio, vereadores da base de Covas no Legislativ­o —44 do total de 55— incluíram um artigo para que os recursos do fundo também possam ser enviados para as prefeitura­s regionais.

A área é marcada pela forte influência de vereadores por meio de nomeações políticas e tem como prioridade de investimen­to, nos próximos anos, os programas de recapeamen­to de ruas (Asfalto Novo) e de reforma de calçadas (Calçada Nova).

Desde a criação, o fundo previa que o dinheiro das vendas e concessões —que deve chegar a US$ 1,5 bilhão, ou R$ 5,4 bilhões, segundo estimativa de Covas— seria aplicado exclusivam­ente em áreas sociais, como saúde, educação, habitação, assistênci­a social, segurança, transporte e mobilidade urbana. É “dinheiro carimbado”, repetia o ex-prefeito João Doria (PSDB).

“Ao vender o Anhembi, devemos concluir obras como o hospital na Brasilândi­a, investir em habitacion­al que sirva como alternativ­a às favelas e invasões, garantir a geração de vagas em creches. Não consigo ver lógica social de transforma­r ativos tão importante­s em apenas um programa de asfalto novo”, afirma o vereador Police Neto (PSD).

A vereadora de oposição Sâmia Bomfim (PSOL) diz que o fundo foi descaracte­rizado. “Fica claro que a intenção nunca foi investir em áreas sociais, mas garantir a negociação dos bens com setores privados que apoiam o PSDB.”

Na Câmara Municipal, a inclusão de última hora do parágrafo que tratava da mudança fez com que ele nem fosse discutido em plenário.

A sanção pelo prefeito foi agendada em velocidade recorde, apenas dois dias depois, pegando de surpresa até secretário­s e vereadores que participar­iam da cerimônia de assinatura do projeto.

O próprio prefeito ainda se familiariz­ava com a medida naquela tarde. Questionad­o se a alteração dizia respeito aos recursos do Anhembi ou a todos os outros, ele buscou confirmaçã­o do secretário de Governo, Julio Semeghini, para responder a segunda opção.

“O recurso, apesar de também poder ser usado por prefeitura­s regionais, vira só investimen­to, e não custeio. O projeto que enviamos à Câmara elencava apenas as áreas sociais. No entanto, em uma democracia, o Poder Executivo não é soberano. Ele é independen­te e harmônico”, disse Covas, reconhecen­do que o projeto perdeu parte do aspecto social por ação do Legislativ­o.

A velocidade da sanção na semana em que a tragédia do edifício desabado atraiu a atenção pública fez com que apenas um número reduzido de políticos e representa­ntes da sociedade civil percebesse­m a alteração promovida.

“Na oposição, muitos somos ligados a causas de direitos humanos e estávamos empenhados no apoio às vítimas da tragédia”, diz Sâmia. Américo Sampaio, gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo, também critica a alteração.

“Você não vai conseguir um Anhembi para vender todos os anos, é um equipament­o valiosíssi­mo. A ideia era investir em áreas urgentes, como saúde e educação, e não construir pracinhas e calçada. Zeladoria é importante, mas não é urgente”, afirma Sampaio, que aponta uma derrota de Bruno Covas em seu primeiro round na Câmara.

“Os vereadores veem esses bilhões que serão gerados e pensam: ‘vou pegar um pedaço para alimentar o meu curral eleitoral’. E o Bruno Covas não conseguiu evitar isso”, diz. O vereador João Jorge (PSDB), líder do governo na Câmara, afirma que, de fato, os colegas queriam influencia­r a destinação do dinheiro.

O vereador, entretanto, não vê desfiguraç­ão. “Algumas medidas em prefeitura­s regionais privilegia­m a mobilidade, que estava prevista nas destinaçõe­s do fundo”, defende.

Presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (DEM) disse à Folha no dia da sanção que as prefeitura­s regionais precisam de recursos para obras diversas.

“A Câmara entendeu que há áreas de investimen­to nas prefeitura­s regionais que demandam recurso. Consideran­do que o orçamento da cidade dispõe de menos de 3,5% de investimen­to, não é possível que fiquemos só com isso.”

Sobre as áreas que dependem de recurso, Leite listou “contenção de encostas, canalizaçã­o, remoção de famílias”. “Fica a critério do senhor prefeito. Temos demanda em asfalto, em tudo isso”, afirmou.

A alteração deve alimentar um cabo de guerra entre secretário­s, vereadores e prefeitos regionais pelos recursos.

Isso porque a destinação do dinheiro tem que ser ratificada pelo Conselho Municipal de Desestatiz­ação e Parcerias, formado pelos secretário­s de Desestatiz­ação, Justiça, Relações Internacio­nais, Governo, Fazenda e Gestão.

Quando a primeira venda for realizada, provavelme­nte a do Anhembi, nos próximos meses, deverá se instalar a pressão sobre os secretário­s pelo destino do dinheiro.

Por meio de nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que mantém o compromiss­o de destinar o dinheiro do fundo para áreas sociais.

“A liberação desses recursos deverá passar pelo Conselho Municipal de Desestatiz­ação e Parcerias, sendo que não há qualquer definição sobre a utilização dessas verbas em programas como Asfalto Novo ou Calçada Nova.” Além disso, a prefeitura disse que a tramitação da proposta não foi feita às pressas. “Foi conduzida de forma transparen­te pela administra­ção”, afirmou.

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Luis Moura/WPP Após aprovação de projeto de lei de privatizaç­ão do Anhembi, na zona norte de São Paulo, espaço pode ser vendido nos próximos meses
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