Folha de S.Paulo

Distopia sem Estado

Achar que a vida sem Estado seria uma boa é ignorar natureza humana

- Reinaldo José Lopes Jornalista especializ­ado em biologia e arqueologi­a, autor de “1499: O Brasil Antes de Cabral” STQQSS Reinaldo José Lopes

Tem gente que acredita no coelhinho da Páscoa. Tem gente que acredita na Santíssima Trindade ( feito eu). E tem gente doida o suficiente para achar que a nossa vida seria muito melhor se não existisse Estado.

Ocorre que só a mais completa ignorância dos fatos é capaz de produzir uma crença tão ingênua quanto a da utopia anti-Estado. Se existe alguma coisa que o estudo da evolução das sociedades humanas demonstrou cabalmente, é o fato de que a organizaçã­o

D

Marcelo Leite, estatal é o mal mais necessário do mundo.

Milhares de esqueletos escavados em sítios arqueológi­cos, levantamen­tos etnográfic­os e muitos outros dados indicam que a vida sem o controle do Estado não é um idílio pastoril como o dos hobbits do Condado em “O Senhor dos Anéis”, mas está mais para a bagunça sanguinole­nta de “The Walking Dead”.

Mas e a Alemanha nazista? E a União Soviética de Stálin? Afinal de contas, os piores genocídios da história em números absolutos foram conduzidos por Estados todo-poderosos, certo? De fato. Calcula-se que até 200 milhões de pessoas tenham sofrido mortes violentas no século 20, ou até 2% da população que viveu naquela época.

Porém, e esse é o porém crucial, em sociedades sem Estado, a proporção média de gente que morre em guerras ou assassinad­a fica entre 10% e 20%. Pois é, entre cinco e dez vezes mais alta que a do matadouro do século 20. A taxa de homicídios entre os inuítes (ou esquimós), por exemplo, costumava ser mais que o triplo da brasileira do ano passado, e os números entre outros grupos de caçadores-coletores não são muito melhores. Bom selvagem é a vovozinha, amigo.

Na Europa, onde temos dados mais confiáveis a partir do fim da Idade Média, uma tendência fica clara. Começando com taxas de homicídio similar à dos caçadores-coletores lá pelo ano 1300, a coisa

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