OUTRO LADO
Recentemente, a indústria madeireira recebeu um forte sinal de incentivo do governo peruano, que promulgou, em 22 de janeiro, uma lei determinando a construção de uma rodovia que atravessaria reservas florestais na região do rio Ucayali, vizinha ao Acre.
A medida provocou protestos de entidades ambientalistas e indigenistas no Brasil e no Peru. Uma nota, assinada por cerca de 30 entidades e divulgada no final de fevereiro, acusou o governo do Peru de priorizar a infraestrutura em lugar de preservar a floresta e os direitos indígenas, incrementando a tendência à devastação: “Diferentes informes técnicos demonstram, por exemplo, a inevitável intensificação do desmatamento e da ação de madeireiros ilegais e narcotraficantes, já presentes nessa região fronteiriça”, afirma o texto, que conta com as assinaturas da brasileira Associação Ashaninka do Rio Amônia, da WWF-Brasil e da Associação Brasileira de Antropologia.
“No lado brasileiro”, informa a nota, “a estrada impactará direta e indiretamente as unidades de conservação Estação Ecológica do Rio Acre, Parque Estadual Chandless e Reserva Extrativista Chico Mendes, além das terras indígenas Alto Purus, Cabeceira do Rio Acre, Jaminawa do Guajará, Mamoadate e Manchineri do Seringal Guanabara”. A nota foi subscrita em seguida por entidades ambientalistas peruanas. Procurado pela reportagem, o governo do Peru afirmou, através de sua embaixada no Brasil, que “a proteção e a salvaguarda dos direitos dos povos originários assentados na região amazônica do país é um assunto de máxima prioridade para o Estado do Peru, cujo regime ficou formalmente estabelecido em 2006, através de uma lei promulgada pelo Congresso Nacional”.
A nota esclarece que na lei de 2017, mediante a lei n° 30723, o Congresso Nacional declarou, de fato, prioridade e interesse nacional a construção de estradas em zonas de fronteira na região Ucayali (fronteiriça com o estado brasileiro do Acre).
“Diante da apreensão surgida em alguns setores da sociedade, os ministérios do Ambiente, Cultura, Transportes e das Comunicações do Peru divulgaram um comunicado conjunto poucas semanas depois, esclarecendo que o Poder Legislativo não tem competência para executar inversões em construção e/ou manutenção de infraestrutura viária, e ratificando o compromisso do Estado Peruano com o respeito dos povos indígenas e com a conservação das florestas amazônicas”, diz a nota.
A lei tem “caráter meramente declarativo” e não altera o regime de proteção dos direitos dos povos indígenas, diz o governo peruano. “Sem prejuízo do exposto, e a fim de afastar definitivamente qualquer preocupação por parte dos próprios grupos indígenas”, a nota informa que tramita no Congresso nova legislação, “que revogaria a lei N° 30723 e declararia prioridade e interesse nacional as áreas naturais e os povos indígenas nas regiões de Ucayali e Madre de Dios (fronteiriças com o Brasil)”.
Quanto ao narcotráfico, o governo peruano diz realizar “esforços permanentes” para combatê-lo “em todos os âmbitos”, incluindo interdição nas zonas amazônicas que fazem fronteira com Brasil e Colômbia, mas que, no caso da fronteira com o Brasil registrou-se um incremento, “que essencialmente responde ao aumento da influência de organizações criminosas tais como Comando Vermelho e a Família do Norte, que intervêm no transporte e na distribuição dos carregamentos de droga até território brasileiro”.
O documento informa ainda que o Peru, ciente da preocupação dos ashaninkas que habitam ambos os lados da fronteira, articula ações integrais para enfrentar a situação reportada nessa área geográfica, as quais incluem “trabalho conjunto entre as forças policiais e de inteligência peruanas e brasileiras”.
Já a Funai, procurada pela reportagem, não respondeu até o fechamento desta edição. Em 2014, três líderes ashaninkas do Peru foram mortos quando se dirigiam para uma reunião com representantes de várias comunidades dos dois países na aldeia Apiwtxa, onde discutiriam ações de combate à exploração madeireira nas áreas peruanas. Um brasileiro radicado no Peru, que trabalhava com exploração de madeira, foi condenado pelos crimes e cumpriu pena de três anos. Ele foi solto no ano passado.
Nos últimos meses, dois índios foram alvo de tiros de pistoleiros desconhecidos quando navegavam em rios da região. O caso mais recente ocorreu no início de fevereiro, poucos dias antes da visita da Folha.
Enison, 28, secretário da Associação Ashaninka do Rio Amônia, teve sua canoa alvejada quando seguia para uma caçada; outro atentado aconteceu contra Manoel Piyãko, 72, quando ele viajava para Marechal Thaumaturgo, já fora da área da reserva indígena.
“Por sorte, nenhum dos dois se feriu. Mas vemos que há um clima de ameaça”, diz Enison.
Os casos foram comunicados à Funai, segundo Francisco Piyãko, irmão de Moisés, que foi secretário de Povos Indígenas na gestão do governador Jorge Viana (1999-2007) e hoje é diretor da Opirj (Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá), com sede em Cruzeiro do Sul.