Mudaram o clima, o rio e o sabor do peixe
“Aqui, antes, o clima era todo certinho. No verão, quando vinha uma friagem de um, dois, três dias, a gente sabia que tinha chegado a seca, ia ficar dois meses sem chover. Hoje, vem o frio e dois dias depois pode chover forte. A natureza antes dava sinais. Tínhamos um calendário das flores: uma flor que abria anunciava o verão, época de certo peixe; outra flor, tempo de fazer o roçado. Quando você planta na seca, não pode chover, porque apodrece o que foi plantado. Hoje estamos perdendo muitas plantações porque chove na seca e tem seca na hora da chuva.”
Aos 48 anos, Moisés Piyãko éreferência de xamanismo entre os jovens líderes dos ashaninkas da comunidade Apiwtxa. As pessoas recorrem a ele em casos de doenças, de problemas variados e também pa- ra entender o que está acontecendo com os ciclos da natureza.
O xamã domina o rito da ayahuasca (kamarampi, em sua língua), bebida feita com cipó, usada para provocar visões e conectar as pessoas com o mundo espiritual.
Dos índios do Acre a ayahuasca passou à sociedade envolvente e se espalhou pelo Brasil e mesmo pelo exterior, em grupos religiosos como Santo Daime ou União do Vegetal.
Moisés está preocupado com o surgimento de novas doenças, que ele associa ao aquecimento do ambiente: “Não sei se é a quentura. Todo mundo está com dores, como se carregasse o mundo nas costas. Quando vamos para o roçado, a gente sente esse calor maior, cansaço e tontura”.
O aumento da temperatura é sentido também pelas plantações. Os ashaninkas têm 30 variedades de mandioca domesticadas. Cada uma delas tem um tempo de crescimento e serve a um uso específico, a um prato diferente.
“Tem macaxeira que produz muito rapidamente, outra leva três meses para dar, e outra, ainda, leva oito meses; se você tentar comer com três meses, ela não cozinha. Então, a pessoa planta para ir colhendo uma depois da outra. Quando colhe, cada uma tem um jeito de cozinhar. Tem algumas que duram vários dias fora da terra: oito, dez dias. A gente leva para cozinhar quando vai viajar.”
Mesmo conhecendo profundamente a planta, os índios têm tido perdas significavas de produção nas últimas temporadas devido a chuvas fora de época: “Não é só que chove muito. Em seguida vem um sol muito forte, que esquenta a água do solo e mata a mandioca e a batata e cozinha a raiz das bananeiras”.
Outro foco de preocupação é o comportamento do rio e dos peixes.
O Amônia, que banha suas terras, anda estranho. Suas águas já não sobem tanto quanto no passado, mesmo nas cheias. Neste ano, o rio subiu pela primeira vez em fevereiro, na época do Carnaval, mas deveria estar alto desde novembro.
Com isso, a população de peixes tem caído. “Antes, na piracema, subiam muitos peixes. Agora não tem mais uma piracema. Algumas espécies desapareceram daqui. Pirapitinga, por exemplo, não dá mais neste rio.”
Além disso, as mudanças alteram o sabor dos alimentos. “Os peixes hoje têm um gosto tão forte que não se consegue comer, parece folha po- dre, e o gosto só desaparece quando o rio fica vários dias com muita água, o que é cada vez mais raro”, diz.
A solução que os ashaninkas vêm tentando é criar peixes em açudes, para alimentação e para tentar repovoar o rio com eles.
Em dois açudes na aldeia Apiwtxa eles criam tambaquis e curimatãs, e também tracajás, as desejadas tartarugas amazônicas, que são cada vez mais raras na região.
“O peixe que comemos do açude é como o natural, porque é alimentado com frutas, com açaí, pupunha, mandioca, batata”, explica Moisés.
Eu pergunto o que dizem os espíritos: “Eles me passam responsabilidade. Alertam que a floresta precisa ser preservada. Mas a atitude tem que ser nossa. Nós é que temos que alertar as pessoas e tomar as provi-