Yara, Kamorishi, Bianca Ana Shina
O impacto de uma viagem à terra dos índios ashaninkas no Acre, no final da década de 1980, foi tão grande que, em 1990, o cantor e compositor Milton Nascimento lançou o disco “Txai”, todo influenciado pela cultura e pela sonoridade dos instrumentos indígenas. O título é uma palavra muito usada no Acre para dizer “amigo” (tem origem nas línguas do tronco pano, dos yawanawás e kashinawás, e significa “metade de mim”).
Naquela visita, pouco depois que Milton chegou à comunidade ashaninka, os índios decidiram abater uma vaca para comer no jantar. A cena violenta ocorreu bem em frente à casa em que estavam os hóspedes e chocou os visitantes.
Se o compositor chegasse a Apiwtxa hoje não veria sinal de gado. Ainda nos anos 1990, os índios abandonaram a pecuária, que estavam desenvolvendo sob influência da cultura dos brancos.
“Percebemos que o gado ocupa uma área muito grande de terra e produz menos comida do que se cultivarmos aquele espaço. Então, acabamos com as vacas e passamos a implantar a agrofloresta no pasto. Além de render mais, as frutas atraem bichos que podemos caçar. É uma forma de vida tradicional de nossa cultura”, explica Francisco, irmão mais velho de Moisés.
Os descampados se tornaram pomares de açaí, pupunha, banana, laranja, goiaba, abacate, coco e de várias outras espécies, que formaram uma floresta alta e sombreada onde antes havia capim.
Os índios chegaram por sua própria experiência à conclusão que estudiosos As meninas como Jim Mason e Peter Singer (“Animal Factories”) ou Jeremy Rifkin (“Beyond Beef”) haviam chegado nas duas décadas anteriores.
Dessa forma, os ashaninkas do rio Amônia reproduziram a prática de seus antepassados desde o tempo dos incas, como descreveram os espanhóis que tentaram conquistar seu território a partir do século 16.
Eles fazem o mesmo que fizeram os antigos habitantes da Amazônia. A maior parte da região foi ocupada ao longo dos séculos anteriores à chegada dos portugueses.
“A floresta que temos hoje foi cultivada pelos homens, é o resultado da ação humana”, explica Fabiano Lopez da Silva, da Fundação Vitória Amazônica, que atua em estudos sobre políticas públicas para conser-
evação da floresta em áreas como o baixo rio Negro. “A imagem da floresta virgem é uma lenda urbana: cerca de 90% da biomassa é composta por 240 espécies de plantas úteis, cultivadas.”
Ou seja, do mesmo jeito que aconteceu nos últimos anos na Apiwtxa, os habitantes da floresta, há milhares de anos, vieram plantando espécies que enriqueceram a produtividade da paisagem, criando uma seleção de plantas usadas para finalidades como alimento e confecção de cestaria e tecidos, por exemplo.
Lopez da Silva também destaca a criação de uma “reserva” de 25% do território onde os índios decidiram proibir a caça: “É louvável que eles mantenham espaços sem exploração. É uma forma de geração de estoques naturais”, diz. Após 30 anos, uma ação movida pelo Ministério Público Federal e os ashaninkas contra uma madeireira do Acre teve uma reviravolta na última semana no Supremo Tribunal Federal. O ministro Alexandre de Moraes reconsiderou decisão que era favorável aos índios e que ele havia tomado em setembro de 2017.
Em 2000, a madeireira Cameli, da família do ex-governador Orleir Cameli (1949-2013), foi condenada em primeira instância a pagar R$ 11,5 milhões entre multas e indenizações por extração ilegal de árvores e danos ao ambiente, entre 1981 e 1987, na área indígena. Atualizado, o valor corresponde hoje a R$ 35 milhões.
A empresa apelou a instâncias superiores e o caso chegou ao STF. Em setembro, Moraes negou o recurso que tentava anular a condenação. Na última segunda-feira (14/5), porém, ele reconsiderou a própria decisão.
O representante dos índios, Rodrigo Machado, disse que vai recorrer. Antes dessa última decisão, o advogado da madeireira, Marcelo Turbay, sócio de Antônio Carlos de Almeira Castro (Kakay), informou à Folha que havia apresentado recurso contra o julgamento de Moraes, mas que, paralelamente, a companhia aceitava discutir um acordo.