Folha de S.Paulo

Análise de crises passadas indica que Brasil vive pior retomada da história

Do vale da recessão até agora, PIB sobe 2,2%, metade do visto na recuperaçã­o mais crítica, em 1998

- -Alexa Salomão e Flavia Lima

são paulo Para os economista­s que avaliam dados sobre cresciment­o, está cada vez mais claro que o Brasil vive o mais lento ciclo de retomada econômica da história.

Ao analisar oito recessões brasileira­s desde a década de 1980, a economia nunca demorou tanto para reagir, aponta análise do economista Affonso Celso Pastore, com base em séries históricas do PIB (Produto Interno Bruto).

Passados quatro trimestres desde o fim da recessão, a economia está apenas 2,2% acima do vale verificado no quarto trimestre de 2016. Na recuperaçã­o de 1998, considerad­a a mais lenta até o momento, a economia, a essa altura, já estava 4,2% acima do piso.

Os dados sobre os períodos de recessão e de recuperaçã­o são todos do Codace, o comitê que data os ciclos econômicos formado pela FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Há sete meses, a gente já vinha alertando para a lentidão da recuperaçã­o; Agora todas aquelas projeções de cresciment­o de 3%, algumas de até 4%, foram por água abaixo e estamos mirando nos 2%”, afirma Pastore.

A Folha ouviu especialis­tas que buscam explicar as razões para essa frágil reação. O diagnóstic­o é que uma atípica associação de travas atua contra o cresciment­o.

Ponta que faz a roda da economia girar, o setor empresaria­l ainda não conseguiu se reerguer. Na indústria, apenas alguns segmentos, como o automotivo, ganhou fôlego. A maioria ainda opera com capacidade ociosa. O melhor indicador está no segmento que dá suporte à produção.

“A chamada industria de bens intermediá­rios —cimento, tecido, aço—, que responde por 60% da produção e serve de parâmetro para a atividade, não vem tendo um bom desempenho”, diz Armando Castelar Pinheiro, coordenado­r de economia aplicada do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da FGV).

O mesmo vale para os dois segmentos da construção. Tanto a civil, que ainda precisa desovar um grande número de imóveis, quanto a pesada, em que grandes empresas foram atingidas pela Operação Lava Jato, têm dificuldad­es para voltar a crescer.

“Nós, no Ibre, sempre fomos Brasil vive retomada mais lenta da história, e o que segura a recuperaçã­o econômica é uma combinação atípica de indicadore­s que custam mais do que o esperado a reagir

Empresas saíram da recessão endividada­s e mantêm ajustes, e os números de pedidos de recuperaçã­o judicial indicam que saúde financeira delas ainda não é boa 71 O Nuci*, que aponta o nível de utilização da capacidade instalada da indústria, ainda está perto de seus piores momentos, o que indica que as empresas primeiro vão usar o que já têm para depois investir 82,1 Taxa Selic está no nível mais baixo da história, mas bancos mantêm

Contas públicas em desordem impedem retomada do investimen­to do governo, o pior da série histórica Dificuldad­e de fazer parte do mercado de trabalho é maior do que mostram apenas os subocupado­s, divididos em: 27,7 restringir­am tanto seus Orçamentos que o investimen­to público chegou a um dos menores patamares da história. Nos 12 meses encerrados em março, o investimen­to federal totalizou R$ 30,2 bilhões —queda de 54% apenas na gestão de Michel Temer.

O processo de escolha do novo presidente num ambiente de polarizaçã­o política atua como inibidor na outra ponta, o investimen­to privado. “A incerteza eleitoral joga mais areia na engrenagem econômica”, diz Juan Jensen, sócio da 4EConsulto­ria.

Uma alta na oferta de crédito, que poderia irrigar a economia, também não está no cenário de curto prazo. Apesar de o Banco Central ter reduzido a Selic, a taxa básica de juros da economia, a 6,5%, o menor patamar desde a implantaçã­o do Plano Real, os juros dos financiame­ntos caem lentamente. “Corremos o risco de o PIB não chegar nem a 2% no fim o ano, já que não há reação nem no mercado de crédito nem no mercado de trabalho”, afirma Jensen.

O comportame­nto do emprego é, de longe, a variável que mais preocupa analistas porque apresenta uma complexida­de nova para discussão. “Além da crise conjuntura­l, temos uma transforma­ção estrutural: o emprego formal, com carteira assinada, está sendo substituíd­o em todo o mundo por diferentes formas de trabalho que muitos chamam de informal, mas prefiro chamar de independen­te”, diz José Roberto Afonso, Professor do IDP (Instituto Brasiliens­e de Direito Público)

Do total de 1,6 milhão de postos de trabalho abertos nos quatro trimestres até março, foram criadas 530 mil vagas sem carteira e outras 840 mil pelos chamados conta própria, pequenos empreended­ores que, no geral, atuam na informalid­ade.

Há ainda um grande contingent­e de pessoas subutiliza­das. Mais especifica­mente 27,7 milhões, entre desemprega­dos, pessoas que trabalham menos do que gostariam ou poderiam ou aqueles que simplesmen­te desistiram de procurar, os desalentad­os.

“Parte desse grupo ainda nem chegou ao mercado e trabalho e pode engrossar o desemprego”, afirma Thiago Xavier, economista da Tendências Consultori­a.

Em um país acostumado a valorizar a segurança do serviço público e da carteira assinada, o avanço da informalid­ade pode trazer mudanças imprevisív­eis na forma de poupar e principalm­ente consumir —e o consumo responde por mais de 60% do PIB.

Ninguém agora quer se arriscar a decifrar a grande incógnita: quando todas esses peças da engrenagem do cresciment­o vão se ajustar. to, na avaliação de Kanczuk, parece temporário.

Na última semana, a alta do dólar e a interrupçã­o da queda dos juros adicionara­m dúvidas ao ritmo da retomada.

O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, acha que a turbulênci­a é resultado de uma valorizaçã­o global do dólar e que é cedo para avaliar os efeitos sobre a atividade.

“As contas externas têm posição bastante elevada, o déficit em conta-corrente é financiado pelos investimen­tos estrangeir­os e nossa inflação é baixa. Isso tudo dá segurança.”

Kanczuk observa que, se os juros de mercado ficarem permanente­mente mais altas, poderão afetar o desempenho do setor produtivo. Mas, por ora, diz acreditar que pode ser um soluço, a exemplo do que ocorreu há um ano, quando o mercado balançou no escândalo envolvendo Joesley Batista e Michel Temer.

“É cedo para ficar nervoso com o aperto das taxas”, disse, indicando que só se tornaria um problema se persistir por mais de um mês.

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