Folha de S.Paulo

Chance de trégua na batalha do dólar

BC aceita conselho do mercado e vai intervir mais

- Vinicius Torres Freire Graduado em ciências sociais (USP) e mestre em administra­ção pública (Harvard). Foi secretário de Redação e editor da Folha

O Brasil não tem como evitar que o dólar continue a subir, caso continue o rearranjo atropelado na finança mundial. Mas no fim da tarde de sexta (18) o Banco Central anunciou um plano que pode baixar o fogo que queimava especifica­mente no mercado brasileiro.

As medidas adotadas pelo BC são exatamente aquelas defendidas faz dez dias pelo povo dos mercados financeiro­s, negociante­s de dinheiro, e por economista­s da finança. Isto é, o BC deveria:

1) aumentar e antecipar intervençõ­es no mercado (operações que equivalem à venda de dólares);

2) colocar em risco apostas de que o dólar apenas subiria, realimenta­ndo a desvaloriz­ação do real. Isto é, o BC precisava dar umas incertas no mercado, vendendo dólar sem aviso prévio, de modo a travar especulaçã­o fácil.

Foi o que o BC fez ou ameaçou fazer.

A passividad­e diante da disparada do dólar poderia fazer com que o caso brasileiro parecesse pior do que é, até estimuland­o altas nas taxas de juros de longo prazo, o que teria impacto na atividade econômica (encarecend­o o investimen­to das empresas). Quer dizer, a timidez do BC fazia com que o Brasil se parecesse com países com crises ruins no setor externo, como Argentina e Turquia.

Isto posto, quais as perspectiv­as além do curtíssimo prazo? Há divergênci­as sobre os motivos mais brasileiri­nhos da disparada do dólar e seus efeitos sobre empresas e atividade econômica. Conversas com pessoal de bancos e operadores da praça não chegam a dirimir a controvérs­ia, mas sugerem pistas razoáveis.

Primeiro, são mais comuns estimativa­s e opiniões de que a tensão eleitoral ainda não chegou ao câmbio, ao dólar.

Segundo, o balanço de perdas e ganhos com a queda do real é inconclusi­vo; o efeito na atividade econômica é, por enquanto, dado como ambíguo ou pequeno, pelo menos até fins deste ano, caso o dólar não dê novas disparadas.

Terceiro, o impacto da desvaloriz­ação na dívida externa de empresas tem sido um tanto exagerado, observa um economista de grande banco (com um dólar a R$ 3,74 e considerad­a a dívida no fim de março, teria havido uma alta de mais de R$ 200 bilhões no endividame­nto, se disse por aí).

Dos US$ 547,7 bilhões da dívida externa bruta, US$ 76,4 bilhões são débitos do governo, “cobertos” pelas reservas internacio­nais. A dívida dos bancos é de US$ 126,7 bilhões, em geral protegida (têm hedge). Outros US$ 234,8 bilhões são dívidas intercompa­nhia, pouco sujeitas a risco cambial (a matriz multinacio­nal não coloca a filial na parede; as empresas dão um jeito, convertem dívida em ações etc.).

Sobram então quase US$ 110 bilhões (dívida de “outros setores”, sendo US$ 102 bilhões de longo prazo). Com o estoque de swaps cambiais do BC chegando a US$ 30 bilhões, sobrariam uns US$ 80 bilhões de dívida “descoberta”, apenas parte da dívida externa privada total, de US$ 471,2 bilhões, que vinha servindo de base para o cálculo. Nessa estimativa por alto, o aumento da dívida em reais ficaria restrito a R$ 35 bilhões, de março para cá.

Quarto, o impacto da desvaloriz­ação nos preços deve ser limitado, dados a lerdeza econômica, a ociosidade nas empresas, o desemprego, enfim, todos aqueles fatores que vinham contribuin­do para uma inflação que está para fazer um ano abaixo do piso da meta.

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No alto, operários responsáve­is pela obra na casa de Valdelice (acima)

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