Folha de S.Paulo

A Copa muda tudo

No Mundial, seleção brasileira terá apenas três jogadores que atuam no país

- Paulo Vinícius Coelho Jornalista, cobriu cinco Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010 e 2014) T Q Q S S Juca Kfouri, Paulo Vinícius Coelho e Tostão | Juca Kfouri e | Tostão | Juca Kfouri | Mariliz Pereira Jorge

A seleção se apresenta nesta segunda-feira (21) em Teresópoli­s para disputar a 21ª Copa do Mundo com o recorde negativo de jogadores que atuam no Brasil. Dos 23 convocados, só Cássio, Fagner e Geromel disputam o Brasileiro. Nenhum atacante joga aqui.

Apenas em 2006 e 2010 houve número tão baixo. Há quatro anos, Jô e Victor, do Atlético-MG, Fred, do Fluminense, e Jefferson, do Botafogo, estavam na lista. Das cinco Copas do Mundo vencidas pela seleção, duas acontecera­m na era da globalizaç­ão. Metade dos

DS jogadores atuava no Brasil, em 1994, doze dos 23 pertenciam a clubes daqui em 2002.

Tite sabe que não vai mudar a rotação da Terra e saiu pela tangente quando perguntado se o número pequeno de convocados que atuam no Brasileiro representa que nosso futebol interno está cada vez pior.

“Para estar na Copa é preciso ter consistênc­ia de carreira e quem tem isso fatalmente vai para o exterior. Vocês sabem disso”, disse o treinador da seleção brasileira ao ser indagado sobre a razão de o recorde negativo acontecer sob sua gestão.

Rogério Ceni e Marcos tiveram consistênc­ia de carreira. Nunca jogaram no exterior. Verdade que são exceções para confirmar a regra. Todos os campeões mundiais até 1970 também tinham e jogavam apenas dentro do Brasil.

O mundo se transformo­u e o técnico da seleção não vai mudar o curso da Terra. O único jeito de mudar isso é fortalecer o Brasileiro. Hoje, a pergunta é se há menos certeza se um jogador tem nível internacio­nal enquanto disputa o Brasileiro do que se tem quando está na Ucrânia. Fred e Taison vão à

Paulo Vinícius Coelho Copa e Tite argumenta com o número de partidas na Liga dos Campeões.

Na história das Copas, só uma seleção saiu vencedora tendo mais convocados de fora de seu país. Não foi o Brasil, nem a Argentina, nem o Uruguai. Aconteceu com a França. Zidane jogava na Juventus, Djorkaeff na Inter de Milão, Desailly no Milan... Doze dos 22 campeões mundiais atuavam fora da França.

Era preciso vencer outro conflito, o do pertencime­nto ao país que sediava a Copa, 20 anos atrás. Havia franceses nascidos nas velhas colônias, ou filhos deles. Karembeu veio da Nova Caledônia, Thuram de Guadalupe, Desailly nasceu em Acra, capital de Gana, país que nem sequer fala francês.

No Brasil, somos todos brasileiro­s, até mesmo os que receberam propostas para atuar por outras seleções. Como Diego Costa, com chance de ir à Rússia pela Espanha. Jura que viverá em Lagarto, no Sergipe, quando abandonar os campos.

Mas a vida desses caras é diferente. “A Copa é muito importante, mas meu mundo é muito mais”, disse Daniel Alves, ao explicar de que maneira superará o trauma de não ir à Rússia, por sua ruptura de ligamento do joelho.

Não é um problema brasileiro. É de todas as seleções, formadas por atletas profission­ais que se tornaram pop stars.

As últimas três Copas do Mundo foram vencidas por seleções sem estrelas indiscutív­eis, grupos homogêneos formados por jogadores comprometi­dos em levar para o país onde vivem a alegria que falta no dia a dia. Faltava até na Espanha, de 25% de desemprega­dos no início desta década.

Era fundamenta­l vencer a Copa para fortalecim­ento do Campeonato Alemão, onde jogavam 16 dos 23 campeões de 2014.

Em tese, faz menos diferença para Neymar, Marcelo e Casemiro. Se o Brasil ganhar ou perder, eles terão a Liga dos Campeões na próxima temporada e não perderão nenhum centavo. Em tese... Porque para a vida toda, vai fazer uma diferença enorme. Ser campeão do mundo ou não ser? Eis a questão.

Mas a história mostra que só um campeão mundial tinha mais gente fora do que dentro de seu país. Pode ser um indício de que Tite terá trabalho para compromete­r a todos com a ideia de que a Copa vai mudar suas vidas.

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