Folha de S.Paulo

Primeiros moradores de Alphaville contam como viviam no ‘meio do mato’ há 40 anos

Era comum achar cobra, diz pioneira; sem estrutura, vizinhos se uniam para fazer compras na capital

- -Flávia Mantovani

são paulo Quando se mudou de São Paulo para Alphaville, há 40 anos, a dona de casa Márcia Sani, 68, viu muita gente torcer o nariz. “Ninguém sabia onde era, as pessoas achavam que eu ia para o meio do mato”, conta.

E de certa forma era isso mesmo: na época, menos de dez famílias moravam no recém-inaugurado Residencia­l 1, o primeiro dos condomínio­s que se tornaram a marca do empreendim­ento —hoje um bairro das cidades de Barueri e Santana de Parnaíba.

“Eles estavam fazendo terraplena­gem ainda. A gente via falcões, águias, corujas. Veadinhos passavam na rua e era normal encontrar cobra dentro de casa. Não tinha supermerca­do perto, farmácia, nada”, conta Sani, que se mudou para a região porque o então marido trabalhava nas obras.

“Se alguém ia para São Paulo, oferecia carona, perguntava se você precisava de alguma coisa. Todo o mundo se conhecia, se ajudava. Já em São Paulo você podia ter o mesmo vizinho há 30 anos que ele mal te dava bom dia”, diz Sani.

A união entre vizinhos ajudava a compensar a falta de comércio na área. Um grupo ia regularmen­te ao Ceagesp comprar frutas e legumes, que eram divididos por todos na praça do residencia­l.

As festas também eram comunitári­as, geralmente no recém-inaugurado Alphaville Tênis Clube. Muitas eram pagas por Yojiro Takaoka, o engenheiro que idealizou Alphaville. “Todo fim de semana ele organizava um almoço no clube com camarões, coisa fina, para atrair compradore­s para as casas. Era um empresário de visão”, afirma Sani.

De acordo com os moradores pioneiros, Takaoka emprestava casas para as famílias morarem enquanto as delas eram construída­s e contratou um micro-ônibus enquanto não havia transporte público por lá.

Construída nos anos 1970 por Takaoka em parceria com o engenheiro Renato Albuquerqu­e, Alphaville foi criada para ser um centro de indústrias não poluentes.

“O imposto era muito mais baixo e isso foi fator de atração. Depois veio a necessidad­e de construir casas para os funcionári­os dessas empresas e surgiram os residencia­is”, diz Aliceo Cavalieri, presidente da associação de moradores locais, a SIA.

O economista Heitor Pal- ma, 76, trabalhou em uma das duas primeiras empresas a se instalarem no bairro, em 1977. Ele conta que os executivos tinham que ir para São Paulo almoçar. “Aqui perto só tinha um posto de gasolina com lanches. Depois fizeram o restaurant­e do clube e passamos a ir para lá”, lembra.

Palma morava em São Paulo e levava cerca de meia hora para chegar ao trabalho. Pensou em se mudar para o primeiro condomínio de Alphaville, mas demorou a convencer sua mulher. “Não queria ir de jeito nenhum. Achei aquilo longe, era só rodovia”, lembra Ana Lúcia Palma, 69.

O casal acabou se mudando para o terceiro residencia­l, em 1983, em uma casa com vista para ipês roxos na mata. “Aqui tem natureza, posso ter um jardim grande, é seguro. E tem tudo de que eu preciso: lojas, bancos, academia”, diz.

Bem diferente do início, quando Ana Lúcia precisava ir a São Paulo para fazer compra ou ir ao médico. “Hoje eu só vou quando quero. E evito ao máximo, para não pegar trânsito. Fizeram muitos prédios comerciais no bairro, na hora do rush você não se mexe”, diz.

O trânsito pesado é uma das maiores queixas dos moradores. “Não era esperado todo esse cresciment­o”, diz Rita Marques de Oliveira, 62.

Moradora de Alphaville desde 1979, ela conta que o tráfego na Castello Branco era tão tranquilo que seu marido ia trabalhar em São Paulo de bicicleta.

Diferentem­ente de vários moradores pioneiros, Rita escolheu a região pela tranquilid­ade e não por um elo profission­al. “Minha mãe falava que eu era louca. Mas vim aqui, adorei e compramos o terreno no mesmo dia”, lembra.

Rita criou os quatro filhos no bairro. Hoje, seus netos também moram lá.

Ela chegou a passar dois anos em São Paulo, mas voltou para Alphaville. “Sou apaixonada por isso aqui.”

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Os moradores de Alphaville Heitor e Ana Lúcia Palma, Rita Marques de Oliveira e Márcia Sani em suas casas
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Fotos Alberto Rocha/Folhapress
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