Promotor quis me forçar a delatar Kassab no caso do ISS
Auditor afirma ter entregue lista com nome de políticos, mas que nada sabe sobre ex-prefeito de SP
AcusadonamáfiadoISSdurante a gestão de Gilberto Kassab (PSD), o auditor diz que não teve delação aceita porque se recusou a envolveroex- prefeito. “Ele [o promotorRobertoBodini]queria que eu dissesse o que ele queria,enãooqueeusabia.”
Em entrevista a Rogério Gentile, ele afirma que o promotorenvolveusuamulher, que chegou a ser presa, na investigação para forçálo. OMinistérioPúbliconega tentativadeimplicarKassab, hoje ministro da Ciência no governo Temer.
são paulo Acusado de participar de um esquema de corrupção na prefeitura paulistana, Ronilson Rodrigues, 55, afirma que seu acordo de delação premiada não foi aceito pelo Ministério Público por ter se recusado a envolver no escândalo o ex-prefeito Gilberto Kassab (2006-2012) e hoje ministro da Ciência e Tecnologia do governo Temer (MDB).
Ex-subsecretário da Receita Municipal, Ronilson diz que o promotorRobertoBodiniqueria colocar palavras em sua boca. “Ele queria que eu dissesse o que ele queria, e não o que eu sabia”, diz o auditor, que afirma ter entregue uma lista com nome de vários políticos, entre os quais vereadores, relacionados ao esquema.
Segundoele,opromotorenvolveu sua mulher na investigação, que chegou a ser presa, com o objetivo de forçá-lo a fazer a delação “como eles queriam, e não como eu sei”.
Conhecido como a máfia do ISS, o esquema, segundo a Promotoria, desviou de R$ 500 milhões do cofre municipal. Em troca de propina, empreiteiras obtinham descontos no pagamento do ISS (Imposto sobre Serviços) para a concessão do Habite-se pósconclusão de obras imobiliárias. Mais de 400 inquéritos foram abertos. Ronilson é alvo de 24 processos, com uma condenaçãoatéagora,masele recorre em liberdade.
O sr. é acusado de ter integrado esquema de corrupção na prefeitura. É fato?
Já peguei o bonde andando. Quando retornei da Prefeitura de Santo André, onde trabalhava, para assumir a subsecretaria em São Paulo, o Eduardo Barcellos já era diretor do departamento de arrecadação e cobrança, nomeado pelo Wilson José de Araújo, que foi subsecretário e que tinha colocado lá os seus amigos. Não vou entraremdetalhesporquetenho esperança de fazer uma colaboração e ajudar o Ministério Público e a Justiça.
Mas o sr. tinha conhecimento de algum esquema?
Inicialmente, não, mas depois fiquei sabendo. Primeiro por boato, depois por intermédio do Eduardo Barcellos. Tomei, então, providencias para fazer, sigilosamente, um aplicativo, via web, para que o contribuinte pudesse fazer a declaração tributária de conclusão de obra sem ter contato com o servidor público.
Ele emite o documento de arrecadação pela internet, paga no banco e, assim, obtém o certificado de quitação. Isso dificultou a negociação ilícita.
O sr. estava em tratativa para fazer delação premiada?
Sim, convidado pelo promotor doutor Roberto Bodini. Listei os pontos da delação, mas não foi aceita, sei lá por que. Na realidade, ele queria colocar palavras na minha boca. Queria que eu dissesse o que ele queria, e não o que eu sabia. Não faço isso. Queria fazer como fez com o Eduardo Barcellos [auditor que fez acordo de delação], utilizando-o como um boneco de fantoche. Ele fala o que o promotor quer. Isso eu não faço. Falo o que eu sei ou não falo.
Na delação, só posso dizer aquilo que eu presenciei, aqueles fatos que tenho consciência, que eu sei. Não podem me colocar palavras para eu dizer o que ele quer saber.
Tinha alguém específico que ele queria que o sr. delatasse?
Queria que eu falasse de alguns secretários e do prefeito da cidade na época. O Gilberto Kassab.
Falei para ele que não tinha nenhum trâmite junto ao prefeito. Eu era apenas o subsecretário. Não tinha contato com o prefeito, eram raros, técnicos e na presença de várias pessoas.
Queria que falasse de quais secretários?
Citou alguns. Lembro que falou do Antonio Carlos Maluf [então secretário deRelaçõesGovernamentais]. Eu o conheço, mas não sei nada que o desabone. Tampouco sei em relação ao prefeito. Não posso falar nada.
O sr. atribui a isso a recusa de sua delação?
Tranquilamente. Atribuo a isso. Mas os fatos que tenho para a colaboração são importantíssimos.
O sr. citou políticos?
Não entrarei em detalhes [com esses nomes], pois tenho a esperança de fazer a delação. Se falar agora, perde a validade jurídica. É melhor aguardar. Mas tinham políticos, especificamente alguns vereadores.
Quem?
Citei.
Como se configurou essa pressão que o sr. diz ter sofrido?
Fiquei cinco dias em prisão temporária, que foi renovada por mais cinco dias. Para forçar a delação na cadeia.
Era uma pressão psicológica, uma tortura psicológica para fazer a delação. Tanto que as duas delações [a do Luís Alexandre, outro fiscal, e a do Eduardo Barcellos] surgiram no 77º DP quando estavam presos. Se falarem o contrário é mentira. Não tinham estrutura [para suportar a pressão]. A partir daí fizeram a delação.
Foiummododepressão?
Maso sr .suportou... Sou preparado espiritualmente e psicologicamente, graças a Deus. O promotor esteve na cadeia. Mas preso não faço delação.
Como foi o período na cadeia?
Foram dez dias, [a cela] tinha no máximo nove metros quadrados, com quatro pessoas, chuveiro pingando constantemente. Não tinha onde dormir. Dormi na chamada ‘praia’, no chão, junto do banheiro. O banheiro não tem porta. Você faz as necessidades na presença de todo mundo. E isso faz com que a pessoa perca sua noção psicológica, se desestruture, se descontrole e faça qualquer tipo de delação, como aconteceu com o Barcellos. Ele diz o que sabe e o que não sabe. Inventa. Fala o que o promotor quer. Já peguei várias mentiras. Mente e inventa, pois foi ameaçado pelo promotor.
Dizia que ia colocar a família [na investigação], principalmente seu filho. Disse que ia envolvê-lo com base numa escuta. Fez pressão, e o Eduardo não aguentou. Hoje fala o que sabe e o que não sabe. Ele utiliza o Barcellos como um boneco, um fantoche.
Que tipo de ameaça? O sr. teve familiares envolvidos?
Ele colocou minha esposa e tentou colocar minha filha no processo. Agora, pede a absolvição da minha esposa, mas ela ficou presa no 89º DP. Ficou sete dias lá. Nunca foi funcionária pública, nunca esteve na prefeitura. Nunca teve contato com nenhum dos citados, nenhum dos corréus. E foi presa. Por qual motivo? Qual a fundamentação para ter sido presa? Hoje está traumatizada, faz tratamento e toma remédio controlado.
Ela foi presa para pressioná-lo a fazer a delação?
Foi presa porque recebeu uma intimação num endereço errado, onde residem os pais dela. Mas o nosso era outro. Voltou, então, como negativa a citação, e o Ministério Público imediatamente pediu nossa prisão como se estivéssemos foragi- dos. Nunca deixei de atender a um ato processual.
Ela foi envolvida no processo porque eu tinha uma empresa de consultoria tributária. Só porque a empresa está no nome dela, mas não sabia de nada. Eu fazia tudo, prestava o serviço, com nota e tudo contabilizado e imposto pago. Ela não tinha nada com a história. É mãe, tem três filhas, dona de casa e nunca trabalhou. Foi acusada de lavar dinheiro, mas nem sabe o que é isso.
A Promotoria ainda sustenta a acusação contra ela?
Hoje pede a absolvição das acusações. Ela foi usada para eu fazer a delação como eles queriam, e não como eu sei.
O fato de a delação ter sido recusada criou algum problema adicional?
Sim. Não houve meu interrogatório na 21ª Vara Criminal. Disse para a juíza que estava em trâmite de delação, então não pude me defender. Mas tenho esperança de que ainda vou colaborar. Tenho plena confiança na Justiça. Estou à disposição [da Promotoria]. Quero resgatar meu nome. Não sou bandido. Quero a verdade.
Passei por cima do meu advogado para falar com você. Minha família sofre muito. Tenho três filhos e quero criá-los com dignidade. Quero voltar a trabalhar, estou desempregado há quatro anos. Meu objetivo é colaborar com a Justiça. Leia mais na pág. B2
O promotor] queria que eu falasse de alguns secretários e do prefeito da cidade na época. O Gilberto Kassab