Cético do clima no cerrado é bancado por empresas rurais
Agronegócio banca palestras de cético sobre mudança climática para ruralistas no Matopiba
Bancado por grandes empresas, palestrante cético sobre mudanças climáticas faz sucesso entre ruralistas do Matopiba, fronteira agrícola que abrange quatro estados do Brasil. A área de cerrado, no entanto, sofre com a redução de chuvas.
oeste da bahia Uma plateia de mais de 400 produtores de soja, no coração do agronegócio brasileiro, aplaudiu longamente a apresentação do meteorologista Luiz Carlos Molion. “O aquecimento global é um mito: a temperatura mundial não está aumentando, nós vivemos ciclos de aquecimento e resfriamento que sempre existiram”, dizia Molion, conhecido cético sobre a noção de mudanças climáticas, em outubro do ano passado. Sua palestra havia sido patrocinada pela Agrosul, concessionária da multinacional de máquinas agrícolas John Deere, pela fabricante de adubos Fertilaqua e pela Fundação Bahia, entidade de pesquisa bancada por produtores baianos.
“OCO2 não causa efeito estufa e a ação do homem é insignificante para causar efeitos sobre o clima”, afirmava Molion em um auditório decorado com tratores na cidade de Luís Eduardo Magalhães, ondeseconcentraaproduçãode soja no oeste da Bahia.
Luís Eduardo Magalhães faz parte da região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a mais nova fronteira agrícola do Brasil. Abriga a maior parte das terras ainda não exploradas no país. Aqui, as ideias de Molion são repetidas como mantra pelos produtores rurais.
O pesquisador aposentado dá cerca de 50 palestras por ano em diversos estados brasileiros, contratado por empresas como a Syngenta e a Casa do Adubo, além de associações de produtores, prefeituras e governos estaduais. Na quarta-feira (16), ele foi o principal palestrante da convenção internacional da soja Soy Sur, patrocinada pela Bolsa de Chicago (CME Group), em Ciudad del Este, no Paraguai.
Em suas apresentações, ele fala sobre a tendência do clima para a safra seguinte, os próximos dez anos, e denuncia “a inverdade científica cha- mada aquecimento global”. “Mostro para os agricultores queelesnãosãoculpados,que o CO2 e o metano não têm nada a ver com variabilidade climática e que o desmatamento não tem nenhuma influência sobre o regime de chuvas”, disse Molion à Folha.
Físico e pesquisador aposentado do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), Molion goza de pouca credibilidade no mundo acadêmico. “Dizer que a molécula de gás carbônico não exerce efeito estufa atmosférico, isto é, que não absorve e reemite radiação térmica, é uma asneira anticientífica equivalente a dizer que a Terra é plana”, afirma o meteorologista Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e ex-pesquisador do Inpe.
“É irônico ver empresas que dependem tanto de ciência para desenvolvimento de seus produtos patrocinarem de forma irresponsável e antiética a pseudociência, pensando somente no lucro que a expansão da fronteira agrícola vai lhes trazer.”
Apresidente do Sindicato de Produtores Rurais de Luís Eduardo Magalhães, CarminhaMariaMissio,representa mais de 1.400 produtores rurais e cerca de 2 milhões de hectares de área plantada, equivalente ao estado de Sergipe. Ela afirma não existir prova de que a Terra está se aquecendo nem de que o homem tem alguma coisa a ver com isso.
“Ninguém sabe o que é fato e o que é opinião. O que acabou com os dinossauros? Foi odesmatamento?”—pergunta. Ela diz que sua região teve quatro anos de seca, de 2012 a 2016, e agora está voltando à “normalidade”. Pesquisas, no entanto, indicam o contrário.
Segundo levantamento de Ludmila Rattis, das ONGs de pesquisa Woods Hole ResearchCenter(WHRC,dosEUA) e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a temperatura média da região de Luís Eduardo Magalhães e Barreiras aumentou de 0,7ºC a 0,8ºC entre 1901 e 2015.
A pesquisadora usou dados da Climate Research Unit da Universidade de East Anglia (Reino Unido). Constatou que houveaumentodeaté2ºCem setores do cerrado, como o sul de Goiás. Ela ressalva que o estudo apenas aponta que houve, sim, aumento na temperatura —mas não analisa se isso já pode ser atribuído à ação do homem.
O regime de chuvas também sofreu alterações. Dissertação de mestrado da bióloga Juliana Oliveira Campos, da Universidade de Brasília (UnB), aponta que houve queda de 8,4% na precipitação no cerrado entre 1977 e 2010. No sul desse bioma, em Goiás, a redução de chuvas chegou a 10,6%, enquanto ao norte, no Matopiba, foi de 4,7%.
“Acreditamos que a redução das chuvas foi menor no Matopiba porque lá o desmatamento foi menor e teve início mais tardio”, diz Juliana. A retirada das árvores do cerrado e sua substituição por pastagens e lavouras teria levado a uma redução da evapotranspiração (perda de água do solo por evaporação e, nas plantas, por transpiração), que diminui a formação de chuvas.
Marcos Heil Costa, professor de climatologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e coordenador de um estudo de avaliação do potencial hídrico do oeste da Bahia, considera que a seca dos últimos anos não faz parte de um ciclo natural.
“A seca é bem mais longa do que o normal, está entrando no sexto ano. E em 2017, apesar de ter voltado a chover em algumas áreas, as chuvas começarammuitotarde.OIPCC [Painel Intergovernamental agricultura pasto vegetação nativa
Região que abrange quatro estados é a mais nova fronteira agrícola do Brasil, mas registra escassez de chuva e aumento de temperatura; por lá, produtores duvidam dos efeitos do aquecimento global
sobre Mudança do Clima, órgão criado pelas Nações Unidas e pela Organização Meteorológica Mundial] prevê que haveráexpansãodaáreadesemiárido para o cerrado”, diz.
A agropecuária é o principal emissor no Brasil dos gases que agravam o efeito estufa e resultam na elevação da temperatura média da atmosfera terrestre.
SegundooSistemaNacional de Registro de Emissões, 33% delas vêm do setor de energia, a maioria da queima de combustíveis fósseis. Em segundo lugar estão as emissões diretas da agropecuária, com 31%, por meio do uso de fer-