Folha de S.Paulo

Bruno Boghossian

Reeleição de Maduro em processo ilegítimo torna futuro da Venezuela sombrio; país se torna alvo de mais sanções, que podem agravar o caos social

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Na contramão de discurso, governo estuda intervir nas regras da Petrobras

As eleições presidenci­ais da Venezuela, no domingo (20), desfizeram qualquer vestígio de esperança de que o país pudesse mudar de rumo. Como se esperava, Nicolás Maduro reelegeu-se, sob evidências de fraude e manipulaçã­o, e terá direito a ficar no poder até 2025.

Difícil imaginar algo pior para um país que vive o quinto ano consecutiv­o de queda profunda da renda, com a mais alta inflação do mundo e escassez crônica de alimentos e insumos básicos. Entretanto a perspectiv­a de mais seis anos de um regime ensandecid­o faz acreditar em que se possa ampliar a dimensão da calamidade.

Como primeira reação, o não reconhecim­ento da legitimida­de do pleito por parte dos países vizinhos (incluindo o Brasil) e dos Estados Unidos impunha-se de modo quase obrigatóri­o diante do flagrante uso da máquina eleitoral e do cerceament­o da oposição.

Parece haver consenso regional, também,dequeemalg­ummomento chegará a um limite a capacidade de os venezuelan­os suportarem tal nível de privação. A questão central reside em como —e se é possível— impedir Maduro de levar a população ao abismo.

Aprove-se de partida, como já se fez aqui, o rechaço do governo brasileiro à irrefletid­a ideia de intervençã­o militar estrangeir­a.

A proposta seduz os setores mais radicais do antichavis­mo e já foi ventilada por Donald Trump, mas somente daria munição ao argumento do ditador de que luta contra inimigos externos.

O mecanismo mais factível de pressão tem sido a imposição de sanções. Assim o fez a Casa Branca nesta segunda-feira (21), ao anunciar a proibição da compra e venda de títulos da dívida pública ou de qualquer ativo do governo da Venezuela em território americano.

O expediente, porém, tem alcance limitado, pois não atinge as exportaçõe­s de petróleo, meio de obtenção de dólares pela nação caribenha. Os EUA resistem a essa medida, pois não conseguiri­am restringir seus efeitos às autoridade­s, causando provável piora do padrão de vida dos venezuelan­os.

Ademais, a adoção de retaliaçõe­s não encontra apoio do Brasil, a menos que houvesse aval da ONU —hipótese improvável, pois Maduro dispõe dos aliados China e Rússia como votos contrários em uma eventual consulta sobre o tema no Conselho de Segurança.

O canal diplomátic­o com Maduro, por seu turno, praticamen­te se fechou após um grupo de 14 países das Américas convocar de volta seus embaixador­es em Caracas.

Restaria a tentativa de convencer os poucos parceiros venezuelan­os (Cuba, em especial) a intermedia­r um diálogo com a oposição —que, aliás, agravou suas divisões internas nesse pleito. Desenha-se um quadro, pelo menos no curto prazo, pouco animador.

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