Reforma urbana
O efeito midiático do desabamento da torre ocupada pelos “sem-teto” gerou muito debate, mas sem medidas concretas logo a crise urbana será esquecida e outros desastres voltarão a ocorrer.
Implementarareformaurbana, conjunto de instrumentos para fazer valer a função social da propriedade, é urgente. Presente na agenda de criação do Ministério das Cidades (2003), ela não foi priorizada pelos governos Lula e Dilma.
Na última coluna (“O mito das casas vazias”, Opinião, 15/5) mostrei que, no Brasil, os domicílios vagos que podem ser utilizados para enfrentar o déficit habitacional são poucos.
Isso não significa que inexistam especulação e grande concentração de propriedade imobiliária no país. Nem que em regiões como o centro de São Paulo não existam muitos edifícios abandonados, que precisam ser ocupados.
Combateraespeculaçãocom prédios, terrenos e glebas subutilizados é essencial para baratear o custo da terra para a produção habitacional e os elevados aluguéis pagos pelos inquilinos de baixa renda.
A terra sempre foi o grande objeto de especulação. Sítios viram loteamentos, deixando imensos vazios à espera de valorização. Avenidas são abertas com recursos públicos, valorizando propriedades e privatizando os ganhos imobiliários.
Isso começou a ser combatido na Constituição de 1988, que adotou o princípio da função social da propriedade, regulamentado, após 13 anos, pelo Estatuto da Cidade. Foram criados novos instrumentos, como o imposto progressivo, mas sua aplicação tornou-se uma corrida de obstáculos.
Em vez de exigir sua aplicação, a lei federal transferiu a obrigação para os municípios. Como os proprietários “influenciam” os vereadores, poucos municípios instituíram essasmedidas,comomostrouestudo da UFRJ ao avaliar os Planos Diretores em todo o país.
São Paulo foi um dos únicos municípios que chegou ao final da epopeia, após aprovar os Planos Diretores de 2002 e 2014 e uma lei específica em 2010. Por iniciativa do Legislativo, criou o Departamento da Função Social da Propriedade. Em 2014, Haddad começou a notificar os proprietários.
Até abril de 2017, foram notificados 1.362 imóveis, que tinham um ano para apresentarem projeto de ocupação. Mas, como revelou a Folha (15/5), apenas 15% tomaram alguma iniciativa. E, há mais de um ano, Doria paralisou a ação para “aprimorar a metodologia”.
A experiência revela as dificuldades políticas dos municípios para combater a especulação. Por isso, a União precisa tornar obrigatória a aplicação desses instrumentos. Ao lado de outras reformas estruturais progressistas, a reforma urbana precisa entrar na agenda dos candidatos à Presidência.