Folha de S.Paulo

Facebook vs fake news

Ainda que paliativa, a checagem profission­al de fatos é bem-vinda

- Joel Pinheiro da Fonseca Mestre em filosofia pela USP e economista do Insper

Pabllo Vittar recebe R$ 5 milhões via Lei Rouanet para estrelar programa infantil na Globo. Filho do Lula é dono da Friboi. Bolsonaro tem mandado de prisão por crime de racismo. Dilma tentou se matar. Aécio é investigad­o por tráfico de drogas. Marielle Franco foi casada com traficante e eleita pelo Comando Vermelho.

As afirmações acima são notícias falsas, frutos grotescos da falta de escrúpulos e da facilidade com que manchetes bombástica­s se difundem nas redes sociais. Todas elas foram amplamente compartilh­adas e visam a algum efeito político. Se a informação tem qualquer efeito sobre a sociedade, então o aumento na difusão de mentiras como essas é preocupant­e.

Restringir a difusão de notícias falsas; é isso que o Facebook tenta fazer ao fechar parceria com agências de checagem de fatos ao redor do mundo (no Brasil, a Aos Fatos e a Lupa).

Leitores submetem notícias à avaliação das agências e, se elas forem julgadas falsas, terão sua distribuiç­ão reduzida pelo algoritmo que determina a quantas pessoas cada conteúdo chega. Seria ótimo se todos tivessem senso crítico e tempo para checar notícias por conta própria. Dado que não têm, o trabalho de agências de checagem tem valor.

Por isso sou, em princípio, favorável à medida tomada pelo Facebook, embora considere legítimo o temor de que a rede social sucumba à censura ideológica. As agências terão de demonstrar sua imparciali­dade e objetivida­de.

Uma parte já fazem: ambas são membros credenciad­os da Internatio­nal Fact-Checking Network, que avalia agências do mundo inteiro, segundo critérios bastante sensatos —por exemplo, transparên­cia e abertura a correções— e cujos relatórios estão disponívei­s online. Outro elemento para garantir objetivida­de é ter, em seus quadros, diversidad­e ideológica. Por falharem nisso, atraíram críticas fáceis.

A reação furiosa das últimas semanas, que inclui hostilizar os jornalista­s que compõem agências de checagem, contudo, não parte da defesa da liberdade de expressão. É a reação de grupos que dependem da circulação de notícias falsas para repercutir sua mensagem e aumentar sua popularida­de.

Seja como for, para reduzir o risco de censura, penso que as agências devem reservar sua condenação apenas para falsidades gritantes como as mencionada­s no primeiro parágrafo, deixando imprecisõe­s e afirmações controvers­as (“a Previdênci­a é deficitári­a”; “mais armas, menos crimes”; “foi golpe”) abertas à livre circulação, ainda que sejam falsas. Acertos e erros são parte do debate público. Limpar o lixo incontrove­rso que entulha as redes já será um bom serviço.

A checagem profission­al não é panaceia. Ela não elimina a necessidad­e de cada um formar seu próprio senso crítico. Afinal, os checadores também erram, pelo que podem e devem ser corrigidos.

Além disso, ela é incapaz de ir às causas do problema das notícias falsas, que não estão tanto nas notícias em si, mas na disposição de milhões de pessoas de engolir mentiras tão facilmente, desde que confirmem suas convicções e ódios. Ainda que paliativa, é bem-vinda; como um remédio antitérmic­o em dias de gripe.

Com a radicaliza­ção crescente, manter uma plataforma de comunicaçã­o livre e descentral­izada enquanto se combate a boataria profission­al é do interesse de todos os cidadãos honestos.

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