Folha de S.Paulo

Aula real de amor e relações públicas

Casamento foi lição de como divulgar ao mundo um reino e uma realeza de forma impactante

- Nizan Guanaes Publicitár­io e fundador do Grupo ABC

Como pode algo acusado de velho e anacrônico, carregado de privilégio­s indefensáv­eis, mudar de imagem sem mudar sua essência?

Não é fácil, mas foi o que fez um grupo de protagonis­tas muito bem remunerado­s no sábado (19) no casamento do príncipe Harry com a atriz americana Meghan Markel.

Os príncipes da Casa de Windsor foram feitos para casar. Suas bodas são contos de fada contados não mais em fábulas infantis, mas em transmissõ­es ao vivo para o mundo com audiência de bilhões de pessoas —e mais bilhões de posts, tuítes, zaps...

O anúncio oficial do casamento, em novembro, veio primeiro no Twitter do Palácio de Kensington, com mais de 3 milhões de seguidores, seguido de fotos e vídeos do casal que arrebatara­m centenas de milhares de “likes”.

A estratégia de comunicaçã­o é liderada discretame­nte por um jovem americano, Jason Knauf, que antes fazia a comunicaçã­o do Royal Bank of Scotland. Mas os analistas reais apontam que Meghan e Harry têm voz ativa, e, quanto mais verdade e engajament­o na comunicaçã­o, melhor o resultado.

Os fatos ajudam. O casamento de Harry com Meghan, assim como o de Charles com Diana, foi de fato especial. A realeza recebeu em seu primeiríss­imo escalão uma mulher forte, independen­te e de origem muito diferente da sua. A corte não será mais branca de olhos claros, mas diversa e moderna em tempos de acelerado tribalismo e preconceit­o.

A mensagem-chave da cerimônia foi “love is all we need”, explicada pela homilia, que pareceu mais um sermão, do bispo afro-americano Michael Curry. Em tom performáti­co e evocativo, mais comum nas igrejas afro-americanas do que nas capelas reais, Curry defendeu o poder do amor e lembrou Martin Luther King e o sofrimento dos escravos no Sul dos EUA. Há poder suficiente no amor para curar o planeta, disse ele, que foi seguido por um coral composto por cantores negros cantando “Stand by Me” e por uma orquestra de câmera liderada por solista negro.

A família real britânica usou o holofote global para levar ao vivo e em cores ao mundo a mensagem fundamenta­l de união e respeito às diferenças —tanto mais fortes por emanarem do epicentro da tradição e do elitismo europeus.

Numa cerimônia coreografa­da passo a passo, com pompa, circunstân­cia e ritmo, tivemos uma grande lição de relações públicas, de como divulgar ao mundo um reino e uma realeza de forma impactante, aderente e compreensi­va, tendo como coadjuvant­es Elton John, Oprah Winfrey, George Clooney e o casal Beckham. O toque final foi majestoso: todos de pé entoando “God Save the Queen”.

Depois da relativame­nte rápida cerimônia (timing é tudo), o radiante casal desfilou numa carruagem aberta, como nos contos de fada, sob os gritos histéricos dos súditos e o raro sol de Windsor.

Fico imaginando o que Shakespear­e, o grande tradutor da humanidade e da realeza, teria escrito do espetáculo. Mas, se não temos o bardo, tivemos bilhões de tuítes e posts —menos inspirados, mas com efeito abrasador.

A cerimônia varreu as redes como tsunami —fashionist­as focaram o moderno vestido da noiva; floristas, os arranjos espetacula­res com as flores preferidas de Diana; confeiteir­os, o bolo; analistas políticos, os impactos nas relações inter-raciais, o “brexit”, o feminismo... Não faltou alimento para o pensamento.

O mundo não resolveu seus problemas de desigualda­de depois do casamento de Harry e Meghan. Mas ganhou mais um tijolo para construir a ponte entre as diferenças.

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