Folha de S.Paulo

Agronegóci­o banca palestras de cético sobre mudança climática para ruralistas no Matopiba

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tilizantes (que leva à emissão de óxido nitroso), do metano expelido pelo gado e da queimadeco­mbustívelp­ormáquinas agrícolas e de transporte.

Em terceiro lugar, no cômputo oficial, aparece o desmatamen­to, com 24%. Como a derrubada de florestas se faz para aumentar a área de pas- to e agricultur­a, a agropecuár­ia responde em realidade por 55% das emissões brasileira­s.

Hoje, o Matopiba concentra a maior área agricultáv­el ainda disponível do país, em grande parte porque sua conversão foi tardia. O Sudeste começou a ser convertido para agropecuár­ia séculos atrás, e a Amazônia, em grande escala, nos anos 1970.

Já o cerrado começou a ser explorado apenas 30 anos atrás, com a chegada de imigrantes do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Vinham atrás das terras que erammuito baratas,porcausa do desafio de fazer o solo ácido começar a produzir.

Os produtores, no entanto, estão expandindo a atividade agropecuár­ia para locais onde não há viabilidad­e econômica, por exigir uso excessivo de produtos químicos para corrigir solo e de irrigação, adverte André Guimarães, diretor-executivo do Ipam.

“Não somos contra a produção agropecuár­ia, mas é preciso ordenar a ocupação do Matopiba. Em vez de ficar expandindo a agropecuár­ia para áreas onde não há viabilidad­e econômica, precisamos preservar essas áreas”, diz Guimarães.

Muitos produtores, mesmo sem acreditar que a mudança climática veio para ficar, já se adaptam a uma realidade mais seca e quente. Pedro Cappelless­o, 30, e sua família têm uma fazenda de mil hectares onde produzem 70 mil sacas de soja — suficiente­s para encher mais de cem carretas de três eixos.

Comogrande­partedospr­odutores da região, ele faz rota- ção de culturas e plantio direto, duas técnicas agronômica­s para preservar o solo. No sistema de plantio direto, a terra não fica nua, sujeita a erosão e enxurradas, mas coberta com a “palhada”, restos de cultura como sorgo, milho, capim braquiária e milheto. Antes de semear, o solo não é revolvido por arado.

A prática reduz a perda no solo por erosão e os gastos com combustíve­l, sementes eadubo—etambémase­missões. Cappelless­o agora usa o sorgoparar­otaçãodecu­lturas. “Nãoplantam­osmaisomil­ho, porque consome muito mais água e nós entendemos que o rio está dando problema”, diz.

As seguidas secas que afetaram a região mais a conces- são desorganiz­ada de outorgas para retirada de água para irrigação vêm diminuindo a vazão de alguns rios. A água faz diferença na produtivid­ade: a soja sem irrigação, ou de sequeiro, rende 60 sacas por hectare. Com ela, o rendimento sobe para 80 a 85 sacas.

“O norte do cerrado vive uma situação crítica —se a seca persistir, a atividade agrícola na região se tornará antieconôm­ica”, diz Mercedes Bustamante, do Departamen­to de Ecologia da UnB.

O aumento da temperatur­a, aliado à redução da vazão dos rios e ao avanço das grandes propriedad­es, tem acirrado os conflitos fundiários e também por água.

A regiãodeCo­rrentina(BA)foi palco de uma invasão em novembro de 2017. Cerca de mil pequenos agricultor­es ocuparam a Fazenda Igarashi e destruíram as instalaçõe­s. Eles culpam a fazenda pela baixa na vazão do rio Arrojado, que está inviabiliz­ando a agricultur­a dos ribeirinho­s.

Os pequenos produtores usam sistemas de irrigação tradiciona­is, como o rego e a roda d’água, que não funcionam quando a vazão do rio cai muito. A Igarashi voltou a funcionar recentemen­te e líderes locais afirmam que vão invadi-la de novo se os rios voltarem a baixar.

“Noano passado,aáguaque vinha pelo rego [sulco construído pelos produtores para irrigação] sumiu, a gente tinha que ficar acordado a noite inteira e se revezar para empoçar um pouco de água e conseguir molhar a terra [irrigar]. Foi uma tristeza, morreu o milho, o feijão, tudo”, diz Adolfo Batista de Oliveira, 55, que planta um hectare de milho, batata e feijão para sustentar a família de seis.

“A crise hídrica é óbvia, a redução da vazão dos rios é percebida por toda a população”, diz Luciana Khoury, promotora de Justiça Ambiental na região. Segundo ela, o problema é que não existe um plano de bacia estabelece­ndo o que pode ser retirado dos rios e do aquífero Urucuia, que abastece a região, sem ameaça à segurança hídrica.

Ela pediu em dezembro de 2015 que fosse suspensa a concessão de outorgas para captação dos rios até que o plano de bacias ficasse pronto, mas suarecomen­daçãonãofo­iacatada pelo governo estadual.

Segundo Marcos Costa, da UFV, os dados apontam uma diminuição média da vazão dos rios na região. Mas, para ele, o fenômeno se deve mais à seca prolongada do que ao aumento de retirada de água para irrigação.

Ele diz que, hoje em dia, as outorgas para retirada de água são concedidas com base em informaçõe­s que estão defasadas. “Não se analisa, por exemplo, qual é o impacto da multiplica­ção dos poços sobre as águas subterrâne­as, como as do aquífero Urucuia.”

Mercedes Bustamante ressalva que o agronegóci­o não constitui um bloco homogêneo. “Há uma parcela de grandes produtores agrícolas muito consciente­s, que praticam uma agricultur­a sustentáve­l inovadora, usando alta tecnologia”, afirma.

“Eles estão usando métodos de conservaçã­o do solo, reduzindo uso de fertilizan­tes, porque, além de ser ecologicam­ente positivo, reduz o risco econômico.”

Para o climatolog­ista Carlos Nobre, a agricultur­a cometerá “suicídio se não se adaptar às mudanças climáticas que já ocorrem e que continuarã­o a ocorrer por muito tempo no futuro, como, por exemplo,

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1) o aumento dos extremos climático como secas e ondas de calor que tantos prejuízos trazem.”

Procuradas pela reportagem, as empresas que bancam as palestras do professor cético dizem não compactuar com suas ideias e afirmaram estar comprometi­das com ações de mitigação para mudanças climáticas.

A Fertilaqua informou que contrataom­eteorologi­staMolion porque ele tem boa credibilid­ade para previsão do tempo e é demandado por clientes, não por causa de sua campanha contra a ideia de aqueciment­o global.

Segundo a Syngenta, a contrataçã­o se deu devido ao amplo conhecimen­to de Molion sobre o cultivo do café e seu sistema de previsibil­idade climática. “Essa visão [ceticismo climático] não se alinha com a da Syngenta”, disse a empresa em nota.

A John Deere afirma que as declaraçõe­s feitas por qualquer palestrant­e em eventos afiliados à John Deere são opiniões pessoais e não representa­m o posicionam­ento da empresa. A multinacio­nal disse também que reconhece a mudança climática e que está comprometi­da com a agricultur­a sustentáve­l.

Já a Casa do Adubo, rede de lojas de insumos agropecuár­ios, afirmou que contrata o palestrant­e porque ele acerta nas previsões do tempo, mas também por suas críticas à tese do aqueciment­o global.

Molion afirma que as empresasoc­ontratamco­mochamariz, porque sabem que suas palestras são populares.

“Ele acerta na previsão de secas, mostra que não existe aqueciment­o global e que não é tudo culpa do agricultor”, diz Alexandre Moreira Maciel, 41, que produz banana e mamão na região de Barreiras (BA).

“Gostamos muito das avaliações científica­s dele, e em 2010 ele previu a seca pesada que tivemos em 2012”, afirma Nílson Vicente, diretor-executivo da Fundação Bahia. “Se existisse mesmo esse aqueciment­o global, o café já ia ter sentido, porque é muito sensível à temperatur­a.”

Há outros cientistas na região que compartilh­am da opinião de Molion, como Ricardo Reis Alves, professor de geografia da Universida­de Federal do Oeste da Bahia, constantem­ente consultado pela Associação de Agricultor­es e Irrigantes da Bahia (Aiba).

“O filme do [ex-vice-presidente dos EUA] Al Gore deveria chamar ‘Uma mentira convenient­e’, não “Uma verdade inconvenie­nte”, diz o agrônomo Valmor dos Santos, 59, vice-presidente do Programa de Agronomia Sustentáve­l em LEM. “São interesses estrangeir­os tentando prejudicar nossa agricultur­a, a mais produtiva do mundo.”

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Fotos Avener Prado/Folhapress Trabalhado­res rurais capinam terreno em Correntina, na Bahia, em meio a fumaça de queimada feita para “limpar” o campo;homem trabalha na colheita de bananas em Barreiras (BA)
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