Impossível morrer de overdose
Vamos aos fatos: em séculos de uso reconhecido, não há um único caso de morte por overdose de maconha documentado. Unzinho sequer. Cocaína mata por hipertensão, ataque cardíaco e/ou “insolação” interna: o corpo assa por dentro. Deve ser uma morte horrível.
Heroína e outros opioides matam sorrateiramente, por parada respiratória: o circuito automático que cuida da respiração fica tão relax que para. Se o usuário notasse, poderia continuar respirando voluntariamente até o efeito passar, mas a esta altura a “tranquilidade” é tanta que o próprio nem nota a asfixia.
E maconha? Ganhei uma aula particular em visita recente à Escola de Medicina da Universidade de Maryland, onde trabalham alguns dos raros especialistas no assunto. Aprendi que o THC, uma das substâncias na maconha, age sobre receptores que são idênticos em todo mundo —todos os humanos, além de outros bichos—, que por sua vez respondem a uma mesma substância produzida pelo corpo de todo mundo: anandamida, um derivado da gordura que compõe a membrana das células.
O que acontece se esses receptores universais forem bloqueados por “antimaconha”? Perda de peso, abandono de vícios como cigarro, álcool e outras drogas... E um grande risco de depressão profunda. Ou seja: de alguma forma ainda não compreendida (porque fazer pesquisa com maconha é difícil), nossos canabinoides internos nos mantêm felizes.
E aprendi também por que ninguém morre de overdose de maconha. O tal do receptor é abundante em regiões do cérebro que cuidam de percepção, atenção, coordenação. Mas no bulbo do cérebro, que nos mantém vivos e respirando, não tem nadinha — além do núcleo que interessa, que reduz dor e enjoo.
Como diz Fernando Gabeira, pra morrer de overdose de maconha, só se um saco de cinco quilos de maconha cair do décimo andar na cabeça de um passante.