Folha de S.Paulo

Construtiv­ismo de Sergio Camargo, enfim, seduz o mercado americano

- -Silas Martí

nova york Lembra um laboratóri­o ou mesa cirúrgica. Suas esculturas brancas e pretas alinhadas debaixo dos holofotes ao longo de uma base retangular são pequenos ensaios para monumentos —objetos delicados com ambições de grandeza que traem a nudez de suas formas geométrica­s.

Todo o repertório de traços e gestos de Sergio Camargo na primeira mostra do escultor brasileiro nos EUA parece estar mais exposto do que nunca, como se pronto para a dissecação.

Lá estão peças de mármore e madeira criadas ao longo de três décadas, do auge do construtiv­ismo no Brasil, nos anos 1960, até a sua morte, em 1990.

É estranho pensar que um país com apego tão forte ao minimalism­o tenha levado tanto tempo para voltar os olhos a um artista como Camargo, que, embora já despertass­e a atenção de colecionad­ores nos leilões, só agora tem uma exposição de fôlego em Nova York.

Na cidade que viu surgir alguns dos maiores heróis dessa corrente estética, fica mais nítido como só por seus aspectos formais as obras de Camargo teriam trânsito fácil entre a crítica e o mercado aqui.

E o interesse dos novaiorqui­nos que abarrotara­m duas salas da galeria Sean Kelly para ver esses trabalhos não deixa dúvida sobre essas afinidades.

O espetáculo na obra de Camargo, como em muitos dos minimalist­as americanos, está no contraste entre o brilho e a opacidade, que destaca a volumetria calculada, maquinal e modular de suas esculturas.

Lado a lado, relevos idênticos em mármore negro e branco, peças em que uma fina haste na diagonal liga duas placas formando um ângulo reto, ilustram esse ponto.

Enquanto o branco absorve a luz, o negro se torna uma espécie de espelho, refletindo os holofotes. Mas são abstrações, como salas, palcos ou monumentos de pedra que parecem forjados sem esforço do ar e da carga etérea da luz.

Sem pedestais e com plataforma­s, a montagem da mostra reforça esse aspecto, transforma­ndo as peças em quase joias, embora às vezes desvaloriz­e trabalhos menores.

No ponto em que se distancia de um minimalism­o mais cerebral, também estão ali alguns relevos de parede, as peças de madeira em que parece plantar uma floresta de toquinhos sobre a superfície da tela. O caos orgânico diante da ordem mais pura e artificial das máquinas e da geometria.

A beleza das obras não se tornou menos assombrosa com o tempo; o risco, aqui, é transforma­r seu pensamento em mera decoração, como se, para compensar o atraso de sua chegada ao mercado americano, entregasse­m uma overdose fetichista sem o rigor que ele admirava.

Em Nova York, fica mais nítido como só por seus aspectos formais as obras de Camargo teriam trânsito fácil entre a crítica e o mercado dos Estados Unidos

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