Folha de S.Paulo

Mostra faz ótimo apanhado do Brasil não cordial

- -Fabio Cypriano

Raramente se vê em um museu brasileiro uma pesquisa tão densa e impactante como a realizada para a exposição “Conflitos: Fotografia e Violência Política no Brasil 18891964”, em cartaz no Instituto Moreira Salles, em São Paulo.

Em 338 obras, a mostra com curadoria de Heloisa Espada traça um panorama visual de 75 anos “do protagonis­mo das elites sociais no uso da violência como forma de resolução de conflitos”, escreve no catálogo da mostra Angela Alonso, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to) e colunista da Folha.

Aliás, outro grande mérito da mostra é o catálogo, com textos didáticos e aprofundad­os sobre cada um dos conflitos, resultando em ótimo manual da história do Brasil não cordial, derrubando de vez o mito da cordialida­de nacional.

“Conflitos” tem três partes: A República da Degola (1889 – 1916); A República dos Bombardeio­s (1923–35); As Ruas da República (1954–64).

Não se trata, contudo, de exposição entediante por seu caráter um tanto enciclopéd­ico, já que além da perspectiv­a histórica trata da transforma­ção da linguagem fotográfic­a de maneira física.

Nela, é possível conhecer desde aparatos complexos como as “projeções photoelétr­icas”, ou lanternas mágicas, usadas por Flávio de Barros para exibir de forma sensaciona­lista imagens da Guerra de Canudos (1896-1897), até álbuns com cabeças degoladas na Revolução de 1932.

Em todo conflito, como atesta a mostra, a narrativa é estratégia essencial para a conquista de adeptos, e fotografia­s foram sistematic­amente utilizadas para glorificar o vencedor, como se percebe já na primeira imagem que abre a exposição.

Nela, um grupo de militares tem no centro o cabo e carrasco Sebastião Juvencio, que olha diretament­e para a câmera enquanto segura a cabeça de um rebelde, prestes a ser degolado no Paraná, em 1894. A barbárie, aqui, é vista sem vergonha.

Constata-se ainda como narrativas oficiais passam a ser questionad­as pelos fotojornal­istas, com imagens nem sempre favoráveis ao poder.

Ao mesmo tempo, esses fotógrafos e empresas de comunicaçã­o também são postos em xeque, a exemplo da imagem de carros do jornal “O Globo” tombados pela população, em 1954, após o suicídio do presidente Getúlio Vargas.

Apesar de terminar no golpe civil-militar de 1964, a mostra revela muito sobre o Brasil atual, e aí está outro de seus méritos: tratar do passado para melhor entender o presente tão polarizado do país.

A conclusão não pode ser outra além da constataçã­o de que conflito sempre existiu, a violência é parte do cotidiano, e o país está longe de qualquer pacificaçã­o.

A narrativa em fotos se tornou estratégia fundamenta­l para conquistar adeptos e glorificar vencedores

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Conflitos: Fotografia e Violência Política no Brasil 1889-1964 *****
IMS (Instituto Moreira Sales), av. Paulista, 2.424, tel. (011) 2842.9120, grátis, até 29/7, de ter. a dom., das 10h às 20h, qui. até 22h.
Grupo na Guerra do...
Claro Jansson/Divulgação ARTES VISUAIS Conflitos: Fotografia e Violência Política no Brasil 1889-1964 ***** IMS (Instituto Moreira Sales), av. Paulista, 2.424, tel. (011) 2842.9120, grátis, até 29/7, de ter. a dom., das 10h às 20h, qui. até 22h. Grupo na Guerra do...

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