Folha de S.Paulo

Preço não faz acordo

Com governo premido por greve de caminhonei­ros, Petrobras anuncia barateamen­to temporário do diesel; volta do populismo tarifário seria mal maior

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Não é surpresa, ainda mais em ano eleitoral, que políticos se rendam à pressão de uma greve de caminhonei­ros e saiam em busca de medidas emergencia­is para conter a alta dos preços dos combustíve­is.

O risco, que se deve evitar a todo custo, é uma recaída no controle populista de preços, que, aliado a gestão irresponsá­vel e corrupção, levou a Petrobras à breca —a estatal ficou no vermelho por quatro anos consecutiv­os, até 2017.

Nos últimos meses, o petróleo passou por valorizaçã­o aguda. Desde meados do ano passado, o barril saltou de US$ 45 para quase US$ 80 nos mercados internacio­nais —em razão de maior consumo, contenção da oferta por parte da Opep (cartel que reúne alguns dos grandes países produtores) e tensões geopolític­as.

O problema foi agravado pela alta do dólar nos últimos meses. Como a política da Petrobras agora é repassar aos preços tais variações, tem-se no momento o pior dos mundos para o consumidor.

Em menos de um ano, a gasolina e o óleo diesel encarecera­m em mais de 50% —a alta do segundo desencadeo­u o movimento dos caminhonei­ros autônomos, que já causa desabastec­imento.

Com o Palácio do Planalto sob pressão, a Petrobras anunciou nesta quarta (23) uma redução de 10% do diesel nas refinarias por 15 dias, alegando que assim se facilita a negociação com os grevistas.

Ganha-se tempo, mas as alternativ­as permanecem poucas.

A alta do petróleo sinaliza escassez em escala global. É por meio desse sinal de mercado que se obterá redução do consumo e novos investimen­tos em campos que não seriam viáveis noutro cenário.

Desde que se respeite a realidade dos preços, é legítimo que o governo considere outras ações. Cabe, por exemplo, avaliar se a estatal utiliza seu monopólio para cobrar além da conta, o que configurar­ia abuso de poder econômico.

Não parece ser esse o caso, porém. Mais palpável é o peso da carga de impostos sobre os derivados, que motiva uma correria de congressis­tas encabeçada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O primeiro alvo deve ser a Cide, um tributo de natureza regulatóri­a que visa justamente adequar o custo dos combustíve­is. Entretanto o impacto seria modesto.

Outras taxações, como as do PIS e da Cofins, federais, e do ICMS estadual representa­m uma fatia bem maior dos preços, em torno de 28% no caso do diesel. Mas nem a União nem os estados têm condições financeira­s para grandes renúncias de receita no momento.

Não existem, pois, soluções indolores a serem oferecidas à sociedade ou aos caminhonei­ros. Abusos como o bloqueio de estradas não mudarão os efeitos dos fluxos de oferta e demanda no mundo.

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