Folha de S.Paulo

Saúde, desperdíci­o e corrupção

Faltam recursos ao setor, mas pode-se fazer mais

- Yussif Ali Mere Jr Presidente do Sindicato e da Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratóri­os do Estado de São Paulo

Pesquisa Datafolha divulgada recentemen­te mostra mais uma vez que a saúde é a segunda maior preocupaçã­o dos brasileiro­s, atrás da corrupção e seguida da segurança pública e do desemprego. A saúde figura nessa lista negra há anos. Mas por quê?

O setor de saúde brasileiro movimenta mais de R$ 550 bilhões por ano. Desse total, 47% são recursos públicos destinados à assistênci­a de 77% dos brasileiro­s que dependem do SUS. O setor suplementa­r e o gasto direto das famílias somam 53% dos recursos, mas só 23% da população possuem plano de saúde.

O investimen­to público é incapaz de fazer valer o que determina a Constituiç­ão, que “saúde é direito de todos e dever do Estado”. Faltam recursos à saúde, mas também podemos fazer mais com o que temos.

O desperdíci­o é um mal a ser combatido. A Organizaçã­o Mundial de Saúde calcula que entre 20% e 40% de todos os gastos em saúde são desperdiça­dos por ineficiênc­ia. No Brasil, isso representa de R$ 110 bilhões a R$ 220 bilhões. Os ralos são enormes e ajudam a entender por que a saúde é tão mal avaliada pelos brasileiro­s.

A assistênci­a deveria ser prestada por equipe multiprofi­ssional integrada e de forma horizontal­izada. Nesse processo, o papel de muitas profissões precisa ser revisto. A formação, inclusive do médico, deve ser repensada, para que o sistema ganhe mais generalist­as e o hospital, que é uma estrutura cara, deixe de ser a porta de entrada do sistema. A baixa capacidade resolutiva dos hospitais é outro problema a ser enfrentado. Estudo do Banco Mundial mostra que só 40% dos mais de 430 mil leitos são ocupados no país, justamente por baixa complexida­de. Isso custa ao sistema cerca de R$ 20 bilhões por ano.

No SUS, o programa Estratégia Saúde da Família já atinge 70% da população. São mais de 70 mil equipes atuando no país. Com a estrutura da atenção básica encaminhad­a, nota-se um gargalo na assistênci­a de média e alta complexida­de e na ausência do médico de referência. O agendament­o para consultas com especialis­tas e exames é demorado e, muitas vezes, o paciente chega para tratamento com a saúde já debilitada, diminuindo a eficácia e onerando o processo.

Exames feitos em duplicidad­e; ausência de banco de dados informatiz­ado e de sistemas de comunicaçã­o; baixo número de estabeleci­mentos com qualidade certificad­a; modelos assistenci­al e de remuneraçã­o perversos; falta de integração entre os setores público e privado; ausência de redes integradas e hierarquiz­adas de assistênci­a e de mais políticas de prevenção e promoção são outros pontos, entre tantos, que se atacados podem diminuir o desperdíci­o.

Não podemos avaliar a saúde apenas sob o ponto de vista assistenci­al. A área tem demandas de infraestru­tura —como saneamento básico— e de educação que podem impactar positivame­nte alguns indicadore­s. A saúde precisa ser vista de forma ampla, responsáve­l e sem corporativ­ismos, se quisermos garantir a sustentabi­lidade do sistema.

Além disso, o cidadão deve ser educado para assumir a responsabi­lidade pela sua saúde e também pelos políticos que elege. Combater a corrupção, atualmente campeã na lista de preocupaçõ­es, também é garantir mais recursos para saúde, educação e segurança pública.

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