Protestos de rua na Venezuela mudam de porte e pauta
caracas Aos 72 anos, a dona de casa Evarista Aguilera participou, nesta quartafeira (23), de um pequeno protesto dentro da Unidade de Hemodiálise Riverside, em Caracas.
“Não sei dizer quem é o culpado, só sei dizer que não há suprimentos médicos”, diz Aguilera, que sofre de insuficiência renal crônica e já ficou 13 dias sem hemodiálise, embora precise de três sessões por semana.
Embora os grandes protestos exigindo a saída do ditador Nicolás Maduro tenham desaparecido das ruas neste ano, a Venezuela registra um crescimento de micro e pequenas manifestações diárias por falta de comida, de material médico e de serviços básicos.
Nesta quarta, Caracas registrou pelo menos três protestos: além daquele dos pacientes renais, houve pequenas manifestações contra falta de água e contra o regime de Maduro. Nenhuma delas registrou incidentes.
Em abril, houve 927 protestos na Venezuela, 25% a mais do que no mesmo período de 2017, segundo levantamento da ONG Observatório Venezuelano de Conflito Social (OVCS).
Desse total, 89% tiveram como motivação direitos trabalhistas, problemas de atendimento médico e falta de água, entre outros temas do difícil cotidiano venezuelano.
“Os que mais protestam são os que se identificavam no passado com [o presidente Hugo] Chávez”, afirma Marco Antonio Ponce, coordenador do OVCS.
O ativista de direitos humanos prevê que haverá um aumento dos protestos por causa da piora contínua da crise humanitária —a inflação venezuelana supera os 13.000%, e o PIB do país caiu 50% desde 2013.
O impacto político desses protestos, porém, é uma incógnita, segundo Ponce. Para ele, o desafio da oposição, cujos protestos mobilizam principalmente a classe média, é conseguir se conectar com essas manifestações diárias.
A OVCS avalia que, com Maduro, a repressão violenta contra manifestações passou de ser um padrão para se tornar um sistema, com o envolvimento de Forças Armadas, policiais, milícias e até civis armados.
No ano passado, segundo levantamento da OVCS, 163 pessoas morreram durante a onda de grandes protestos contra Maduro, ocorridos entre abril e julho.
Neste ano, a ONG já contabiliza 11 mortos.
“A violência tem sido uma das características de Maduro e vem se tornando mais acentuada com o passar dos anos”, afirma Ponce.
Aguilera diz que perdeu a conta de outros pacientes de hemodiálise que morreram nos últimos meses. Um deles, segundo ela, parou de respirar quando estava na cadeira à espera do tratamento.
Outros problemas são a distribuição de medicamentos vencidos e a redução das sessões de hemodiálise de 4h para 2h30. A dona de casa afirma que, para pagar por suprimentos e medicamentos, reduziu a compra de comida. O dinheiro vem de uma das duas filhas, que é manicure, e do genro, atualmente trabalhando no Peru.