Homem incomum
Morre aos 85, em Nova York, Philip Roth, que fez em sua obra exploração literária do desejo, da herança judaica, da decadência do corpo e da história dos EUA
são paulo Em 1969, Alexander Portnoy começou a contar suas angústias no divã de um terapeuta.
Está lá até hoje, a cada vez que um leitor abre as páginas para ler o monólogo hilário do protagonista de “O Complexo de Portnoy”, romance que trouxe fama a seu criador, Philip Roth, morto nesta terça (22) em Nova York, aos 85, de insuficiência cardíaca.
Foi uma das vezes em que o autor fez velhinhas corarem e provocou escândalo. Portnoy se masturbava em toda parte —no ônibus, em uma maçã, no fígado cru que sua mãe, sempre dramática, cozinharia para o jantar.
A comunidade judaica não ficou contente. Gershom Scholem (1897-1982), filósofo e teórico da cabala, disse que aquele livro era mais danoso aos judeus do que “Os Protocolos dos Sábios de Sião”, famoso panfleto antissemita.
O pai do escritor discordava. Naquele ano, em um cruzeiro, distribuía exemplares com autógrafos: “Do pai de Philip Roth, Herman Roth”.
A verve de Roth vinha de cedo. Aos 13 anos, escreveu seu primeiro conto: um menino subia no telhado da sinagoga e prometia pular se sua mãe, o rabino e os populares não declarassem a fé em Cristo.
Mas seria redutor resumir sua obra apenas ao senso de humor, ao judaísmo ou às polêmicas —as acusações de antissemitismo foram só uma delas—, embora sejam características marcantes de sua literatura que enfrenta tabus.
Tratou, sim, da herança judaica, mas promoveu também uma investigação literá- ria do desejo humano, sobretudo da sexualidade masculina. Foi também o romancista da decadência do corpo, com personagens dilacerados por ela, e realizou um retrato dos Estados Unidos no século 20.
Ganhou os principais prêmios literários, alguns mais de uma vez: dois National Book Awards, três PEN/Faukner Awards, um Pulitzer e o Man Booker International Prize, entre outros. Faltou o Nobel.
Sua obra completa está editada pela Library of Congress, americana, e pela Bibliothèque de la Pléiade, francesa — as mais prestigiadas coleções do mundo, direcionadas a autores clássicos. É raro que publiquem escritores vivos.
Philip Milton Roth nasceu em 1933, dentro da comunidade judaica de Newark, principal cidade do estado de Nova Jersey. Começou a publicar em 1959, com “Adeus, Columbus”, pelo qual ganhou o National Book Award.
Embora a assimilação dos judeus na sociedade americana ainda fosse uma questão, Roth passou a retratá-los sem qualquer denúncia de opressão. Pertencia a uma geração que já se identificava como americana —e mal sabia falar o iídiche de seus avós.
A história dos EUA seria o tema de uma trinca publicada a partir dos anos 1990: “Pastoral Americana” (1997), sobre um