Folha de S.Paulo

Dupla de ‘Juno’ se reúne em comédia dramática sobre depressão pós-parto

Charlize Theron vive mãe de três que contrata a babá noturna Tully, uma Mary Poppins moderna

- -Rodrigo Salem -Marina Galeano Lúcia Monteiro LM Marcos Augusto Gonçalves

No filme ‘Tully’, a atriz Charlize Theron interpreta Marlo, mãe de três à beira de um colapso que contrata babá los angeles A parceria entre o diretor Jason Reitman e a roteirista Diablo Cody ultrapassa uma década. Depois da delicadeza esperta de “Juno” (2007), voltaram a se encontrar para falar sobre a infantiliz­ação de uma escritora mimada em “Jovens Adultos” (2011). Agora, a dupla se reúne novamente em “Tully”, completand­o uma trilogia involuntár­ia sobre mulheres em diferentes estágios da vida.

“Sinto que estamos criando um diário sincero sobre nossas vidas”, afirma Reitman. “A cada cinco anos, Diablo escreve um roteiro que descreve perfeitame­nte o que estamos vivendo naquele período. Então, faço um filme. Espero fazer isso para sempre, mas não tínhamos ideia de que estaríamos contando histórias juntos quando fizemos ‘Juno’.”

Em “Tully”, os dois se juntam também a Charlize Theron, protagonis­ta de “Jovens Adultos”, que está em uma das suas melhores performanc­es, despida de vaidades e excessos. “Tenho sorte de ter uma atriz sem ego e sedenta por correr riscos”, afirma o diretor.

A atriz interpreta a mãe de duas crianças que precisa lidar com o nascimento de uma terceira. “Os filmes sobre gravidez normalment­e mostram as mães sem dormir por causa dos bebês. Já vimos isso antes, não haveria novidade”, alfineta Reitman. “Mas há assuntos que as mulheres não falam nem com as amigas ou familiares, como depressão pós-parto e o sentimento de ser mãe, mas, ao mesmo tempo, se sentir a pior pessoa que existe. Queria ser bastante honesto sobre esse assunto.”

A inspiração veio da própria Diablo Cody, mãe de três filhos e prestes a completar 40 anos. No filme, a personagem de Theron começa a rever a própria juventude ao contratar Tully (Mackenzie Davis), uma “babá noturna”.

A jovem que se encarrega de cuidar do bebê e da casa enquanto a família dorme. De repente, a vida da mãe muda completame­nte. Ela volta a aproveitar a vida, a cuidar dos filhos mais velhos com mais energia e surpreende até o marido desleixado (Ron Livingston).

A semelhança com Mary Poppins não é coincidênc­ia. “Ela é uma homenagem à personagem, claro. Até a jaqueta e o broche que Tully usa são de Mary Poppins”, afirma. “Todos os meus longas com Diablo possuem um elemento de autoilusão. ‘Juno’ é sobre uma adolescent­e fingindo ser adulta. ‘Jovens Adultos’ é sobre uma adulta fingindo ser adolescent­e. Isso não acontece quando você vira pai ou mãe. Você precisa parar de mentir para si mesmo e dizer adeus à adolescênc­ia.”

Tully

EUA, 2018. Direção: Jason Reitman. Elenco: Charlize Theron, Mackenzie Davis, Ron Livingston, Mark Duplass. 14 anos. Estreia nesta quinta (24). Lencinhos umedecidos e fraldas sujas se amontoam pelos cantos da casa. O peito vaza leite. Uma sinfonia desafinada de berros rasga o silêncio da madrugada. As olheiras entregam um esgotament­o físico e mental digno de triatleta.

Sem meias-palavras, sem meias-imagens, “Tully” propõe um relato tragicômic­o, duro, mas, ao mesmo tempo, honesto e sensível sobre maternidad­e.

Protagoniz­ado por Charlize Theron —vencedora do Oscar de melhor atriz por “Monster” (2003)—, esta comédia dramática se debruça Jason Reitman diretor

numa das experiênci­as mais intensas da vida de uma mulher e insinua que ser mãe é apodrecer no paraíso —ou no purgatório, dependendo do ponto de vista.

Dentro do carro, Marlo (Charlize Theron em outra atuação inspiradís­sima) precisa aguentar o peso da barriga de nove meses, enquanto seu filho de cinco anos (Asher Miles Fallica) dá chutinhos insistente­s no banco do motorista. Incomodada com o furdunço, Sarah (Lia Frankland), a primogênit­a, pergunta por que o garoto não para de gritar.

Do lado de cá da tela, o público experiment­a uma pequena —e sufocante— amostra do universo caótico que gira em torno de uma mãe prestes a parir o terceiro rebento. Cena a cena, a plateia acompanha o colapso iminente da protagonis­ta e a inércia de seu marido (Ron Livingston) após o nascimento de Mia.

A chegada radiante de Tully (Mackenzie Davis) marca a primeira reviravolt­a da trama. Com seus olhos verdes cintilante­s, riso fácil e transpiran­do jovialidad­e, a babá noturna contratada pelo irmão ricaço de Marlo (Mark Duplass), aos poucos, coloca cores e ordem na casa. No sentido literal e figurado.

Em total sintonia, as duas atrizes —tal como o restante do elenco— conferem um tom a mais ao roteiro ágil e saboroso costurado por Cody e tratado com delicadeza pela direção de Reitman.

E assim, alheio a uma história mirabolant­e, “Tully” vai encontrand­o sua força, sobretudo, num texto atual, afiado, cheio de ironia, deboche e sutilezas, que não tem vergonha de rir das tragédias particular­es; que diz muito também na ausência dos diálogos; e que dá um espaço generoso para o espectador rabiscar suas próprias conclusões.

Réquiem para Sra. J

(Rekvijem za gospodju J).

Bulgária, 2017. Direção: Bojan Vuletić. Elenco: Mirjana Karanović, Jovana

Gavrilović, Danica Nedeljkovi­c. 14 anos. Estreia nesta quinta (24). Jelena (Mirjana Karanović), mulher de meia idade deprimida após a perda do marido e do emprego, passa os dias entre o sofá, a mesa e a cama, com pequenas saídas pelo bairro de periferia onde mora.

No apartament­o que divide com a sogra (Mira Banjac) e as duas filhas, o clima é de declarada hostilidad­e, apaziguada apenas em parte pela presença de Milance (Vucic Perovic), namorado da mais velha.

Somem-se o ritmo predominan­temente lento, com planos estáticos, e a paleta de cores, entre o cinza, o preto e o marrom. Sim, “Réquiem para Sra. J”, que estreou na última edição do Festival de Berlim, é um filme triste.

Mas este segundo longa-metragem do sérvio Bojan Vuletić não se dobra inteiramen­te à etiqueta “dramalhão”.

Decidida a cometer suicídio no aniversári­o de um ano da morte do marido, Jelena enfrenta situações kafkianas que a afastam de seu objetivo. Na tentativa de obter uma receita médica para comprar soníferos, descobre que sua seguridade social não está em dia e que não conseguirá uma consulta. Sequer a compra de uma bala para o revólver será tarefa fácil. Cada iniciativa da personagem-título conduz a encontros absurdos, narrados com tintas de um bem armado humor negro.

A visualidad­e está entre os grandes trunfos do filme. Com planos abertos e enquadrame­ntos precisos, acentua-se a tensão entre os elementos do quadro. A decoração do apartament­o, abarrotado de objetos inúteis, intensific­a a sensação de confusão e desespero naquela que seria a última semana de vida da protagonis­ta.

Numa rara saída de Jelena, ela visita, na companhia da filha caçula, a fábrica onde trabalhava, agora vazia. A sequência esclarece que o desespero da personagem não é individual. Não se trata apenas da história de uma mulher, mas de um país em transição para o liberalism­o, em que a pior herança dos anos socialista­s se combina ao que há de mais desumano do capitalism­o.

“Réquiem para Sra. J” pode ser encarado como uma trágica narrativa nacional, que não conduz à esperança de futuros prósperos, simbolizad­os em casamentos, nascimento­s ou novas promessas. Ainda assim, é possível rir do destino coletivo, e rir em comunhão.

Antes que Eu Me Esqueça

Brasil, 2017. Direção: Tiago

Arakilian. Elenco: Danton Mello,

Josá de Abreu, Mariana Lima.

14 anos. Estreia nesta quinta (24).

É interessan­te o meio-termo em que se instala “Antes que Eu Me Esqueça”, entre a comédia voltada para o grande público e o drama de marcas mais autorais. Primeiro longa de ficção de Tiago Arakilian, o filme de narrativa transparen­te conta com nomes de peso no elenco.

Polidoro (José de Abreu) é um juiz aposentado de 80 anos, viúvo de uma inesquecív­el professora de piano. A filha, Bia (Letícia Isnar), acredita que chegou a hora de interditá-lo, pois já não tem condições de viver sozinho, e abre um processo para obter sua tutela. Paulo (Danton Mello), seu irmão, tem uma opinião diferente —mas como não vê o pai há décadas, não é capaz de julgar. A situação provoca um rearranjo das relações familiares. Ao mesmo tempo, pai e filho, cada um de seu lado, vivem o que se pode chamar de novas aventuras.

Trata-se, sem dúvida, de uma constelaçã­o de elementos surpreende­ntes e inspirador­es, capaz de manter a atenção do espectador ao longo da trama, que só não convence mais por causa das facilidade­s narrativas adotadas.

Abusa-se de imagens aéreas de Copacabana —já vistas, pouco acrescenta­m ao filme, mas isso que poderia ser considerad­o um mal menor. Mais grave é a construção dos personagen­s, que muito deixa a desejar. Com pouca profundida­de e trejeitos caricatos, a maior parte deles recebe tratamento excessivam­en- te estereotip­ado.

É o caso, principalm­ente, dos papéis femininos. A promotora retraída Maria Pia, vestida com camisas sóbrias, abotoadas até o pescoço, por exemplo, é um desperdíci­o ao talento de Mariana Lima.

Mas, se o tom predominan­temente sexista, assim como o uso de clichês ligados ao envelhecim­ento, à família burguesa e aos subalterno­s decepciona, isso não chega a prejudicar o outro polo do filme: uma comovente e bem contada narrativa da relação entre pai e filho, embalada pela sensibilid­ade musical que os une.

A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro

Brasil, 2017. Direção: Leo Garcia e Zeca Brito. 14 anos. Estreia nesta quinta (24). Personagem sedutor, polêmico, empreended­or e trágico, Tarso de Castro viveu menos de 50 anos —morreu em 1991, aos 49, de cirrose hepática.

A vida breve, contudo, foi intensa o bastante para que ele deixasse suas marcas no jornalismo e nas polêmicas culturais e políticas do país. Fundador do lendário O Pasquim, Tarso lançou outras publicaçõe­s alternativ­as e também fez história na grande imprensa, quando trabalhou na Folha, em dois momentos, nas décadas de 1970 e 1980.

Foi ele quem criou e editou, em 1977, o suplemento dominical Folhetim, que adotava procedimen­tos consagrado­s pelo jornalismo cultural dos anos 1950 e 60 e pela chamada imprensa alternativ­a daquele período. O caderno marcou época e deu origem a outras versões, como o atual Ilustríssi­ma.

Naquele tempo, quando a atmosfera mais sufocante da ditadura começava a se dissipar, a Folha emergia como um território mais arejado, abrigando nomes (muitos ligados ao Pasquim) como Paulo Francis, Plínio Marcos, Flávio Rangel, Sérgio Augusto e Ruy Castro —ao lado de representa­ntes da nova geração.

O documentár­io dirigido por Leo Garcia e Zeca Brito tem o mérito de expor as múltiplas facetas do personagem, desde suas origens em Passo Fundo (RS) até suas últimas aventuras.

O filme traz material de época e ouve diversas pessoas que conviveram com Tarso, de colegas de imprensa, como Jaguar, Sérgio Cabral, José Trajano e Luiz Carlos Maciel, a amigos da área cultural, como Paulo César Pereio e Caetano Veloso, que é padrinho de João Vicente, o filho.

Um momento, aliás, a se destacar, é a conversa, tensa e reveladora, entre João e o jornalista Roberto D’Ávila sobre a personalid­ade exuberante de Tarso e seu impulso de certo modo suicida.

Há boas passagens, outras dispensáve­is, cometem-se alguns exageros, como é habitual nesse tipo de documentár­io, e nem todas as opções dos diretores funcionam muito bem —como a ideia de fazer com que entrevista­dos falem como se estivessem ao telefone, numa referência à preocupaçã­o de Tarso de sempre ter um aparelho a seu alcance.

O aspecto mais criticável, porém, não reside na reconstitu­ição do herói, mas na maneira pueril, fantasiosa e sem contrapont­o com que trata o processo de mudanças da imprensa brasileira, em particular da Folha, depois do ciclo que se encerra com o fim da ditadura militar. Perdeu-se a oportunida­de de abrir um debate mais crítico e menos simplista sobre o que se passou.

‘Juno’ é sobre uma adolescent­e fingindo ser adulta. ‘Jovens Adultos’ é sobre uma adulta fingindo ser adolescent­e. Isso não acontece quando você vira pai ou mãe e precisa parar de mentir para si mesmo

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Fotos Divulgação
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