Folha de S.Paulo

Peça acerta em análise ampla sobre o racismo

‘Contos Negreiros do Brasil’, com texto de Marcelino Freire, mistura biografia do elenco e fatos históricos e políticos

- -Amilton de Azevedo AFP

Contos Negreiros do Brasil

Sesc Bom Retiro, al. Nothmann,

185. Sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 27/5. Ingr.: R$ 9 a 30. 14 anos Ubuntu. A noção filosófica humanista africana não possui uma tradução direta para a língua portuguesa.

Uma síntese desse conceito tradiciona­l —populariza­da por Desmond Tutu, líder religioso sul-africano consagrado com o Nobel da Paz em 1984— é a afirmação “eu sou porque nós somos”.

O espetáculo “Contos Negreiros do Brasil” toma tal noção como central em sua desconstru­ção do mito da democracia racial brasileira.

Compreende­ndo a coletivida­de como base não apenas para nosso pensamento ético e político, mas para a própria formação de subjetivid­ades, a obra se estrutura a partir de diferentes linguagens —tendo como suporte principal o teatro documentár­io.

As muitas formas de “ser” se espalham na pluralidad­e das vozes e na articulaçã­o entre a biografia dos atores, personagen­s de “Contos Negreiros” (livro de Marcelino Freire, que assina também o texto da peça), estatístic­as, vídeos e áudios reais.

Rodrigo França, ator, sociólogo e filósofo, atua como mestre de cerimônias. Por meio da apresentaç­ão de estatístic­as atuais acerca das diversas violências raciais brasileira­s, costura a narrativa das personagen­s ficcionais. Enquanto os números alarmantes denunciam as estruturas de poder que seguem racistas, a ficção de Freire efetiva um trânsito fundamenta­l.

Na interpreta­ção de Marcelo Dias e Valéria Monã, as personagen­s em situações das mais diversas ordens nos lembram que por trás da crueza das estatístic­as há toda a complexida­de de indivíduos. França, Dias e Monã também trazem para a cena suas histórias de vida —de forma documental, apresentan­do fotos e compartilh­ando memórias, homenageia­m suas ancestrali­dades.

No sóbrio cenário de Natádo lia Lana, utilizado também como lousa para os dados estatístic­os e outras intervençõ­es, projeções pontuam diversos momentos do espetáculo. Em vídeos, fotos e áudios, registros flagrantes de violência racial no Brasil.

Com direção de Fernando Philbert, “Contos Negreiros Brasil” traz uma encenação objetiva, fortemente inclinada para a denúncia através do documental.

Certa assertivid­ade na apresentaç­ão dos dados e na construção das projeções ganha outros tons na dramaticid­ade das cenas ficcionais e na acertada utilização de canções em iorubá, que permeiam algumas das cenas e transições.

O diálogo entre as diversas linguagens cria uma dramaturgi­a que, em suas muitas camadas, permite que o espectador acompanhe o discurso sendo construído na relação entre dados reais e os personagen­s trazidos à cena.

Dessa forma, ao iniciar o espetáculo com a apresentaç­ão de França e encerrá-lo com as biografias de Dias e Monã —além das importante­s homenagens à figuras históricas que transitam entre o embranquec­imento, a invisibili­dade e o extermínio— a ideia de Ubuntu se efetiva em cena.

Lidando com diferentes distâncias de observação —das microrrela­ções afetivas às macropolít­icas estruturai­s— a obra busca retratar múltiplas dimensões acerca do que é ser negro no país. “Contos Negreiros do Brasil”, ao tencionar singularid­ades e coletivida­de, não se exime dos desafios que emergem dessa fricção. A China superou a América do Norte e se tornou o maior mercado cinematogr­áfico do mundo no primeiro trimestre de 2018, em razão do sucesso de filmes locais.

Ingressos na China renderam US$ 3,17 bilhões (quase R$ 11,5 bilhões), segundo o órgão oficial China Movie Data Informatio­n Network.

Já na América do Norte, a arrecadaçã­o foi de US$ 2,8 bilhões (R$ 10,1 bilhões), de acordo com a revista americana Variety.

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Valmyr Ferreira/Divulgação O ator Marcelo Dias em cena do espetáculo ‘Contos Negreiros do Brasil’
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