Cultura pedófila Sociedade infantiliza a mulher enquanto hipersexualiza a criança
Erotização precoce contribui para naturalizar práticas intoleráveis como abuso e violência, afirmam especialistas
são paulo De minissaia e barriga de fora, Britney Spears estourou vestida de colegial no clipe “Baby One More Time”, em 1999. Mesmo ano em que, no Brasil, o grupo Mulekada, formado por crianças com menos de dez anos, dançava de shortinho na TV cantando “requebra gostoso, rebola a bundinha, vai até o chão”.
São duas faces da mesma moeda: enquanto Britney associava sensualidade e adolescência para um público mais velho, o grupo de axé ensinava as crianças a esperar nove meses depois de pegar uma mulher pelo braço e “meter em cima e embaixo”.
De um lado, a cultura infantiliza e objetifica as mulheres e, de outro, sexualiza as crian- ças. Essa exploração do universo infantil como potencialmente erótico faz parte do que a psicóloga Jane Felipe de Souza, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, chama de “pedofilização” —e que não acabou dos anos 1990 para cá.
Há uma contradição na sociedade, diz ela: ao mesmo tempo em que se criam leis para proteger as crianças, elas são viabilizadas como corpos desejáveis num contexto de espetacularização do corpo e da sexualidade.
Segundo estudo da Associação Americana de Psicologia, a sexualização precoce pode criar um desejo por meninas que justifica e forma um mercado para pornografia e exploração sexual de crianças.
“Se a parceira sexual idealizada tem 15 ou 16 anos, consumidores masculinos podem demandar pornografia que tenha essas meninas e a oportunidade de pagar por sexo com elas”, diz a pesquisa.
Ao retratar a infância como algo que pode ser sexy, a cultura acaba por naturalizar práticas como abuso, violência e exploração sexual e comportamentos machistas.
“Pode-se dizer que a ‘pedofilização’ é uma forma de violência, na medida em que funciona como preparação, uma espécie de preâmbulo para o assédio e o abuso/violência ou mesmo para a exploração sexual, em muitos casos”, afirma a psicóloga Jane Felipe de Souza.
Essa “pedofilização”, diz a pesquisadora, se manifesta em vários artefatos culturais: Madrugada
na rua Martim Afonso,
região central de
Santos, litoral sul
paulista