Folha de S.Paulo

Debate Cultura do machismo alimenta a exploração sexual infantil no país

Para especialis­tas, é preciso acabar com a objetifica­ção do corpo feminino e tornar as denúncias mais acessíveis

- -Everton Lopes Batista

são paulo Acabar com a cultura machista, que trata os corpos femininos como mercadoria­s e que dificulta o acesso às meninas vítimas de exploração sexual, é peça essencial no combate a esses crimes.

Essa foi uma das principais conclusões dos participan­tes na segunda edição do fórum Exploração Sexual Infantil, realizado pela Folha no teatro do Unibes Cultural, em São Paulo, na sexta-feira (18).

O evento contou com o patrocínio do Instituto Liberta e com o apoio do Columbia Global Centers no Rio de Janeiro.

Para os especialis­tas, o combate a esse crime deve contar com o apoio da sociedade.

A cultura machista surge de uma combinação de vários elementos que remontam à formação do Brasil, segundo Benedito Medrado, coordenado­r do núcleo de pesquisas em gênero e masculinid­ades da Universida­de Federal de Pernambuco.

As primeiras experiênci­as de socializaç­ão surgem na infância. “Meninas são criadas de forma diferente dos meninos. A tendência é dar o mundo do cuidado doméstico para elas e associar os meninos à violência e ao cotidiano público”, disse Medrado.

“Se você entra em uma loja de brinquedos e diz que quer presente para uma criança, a primeira pergunta que vai vir não é sobre a idade, e sim sobre o sexo. Em geral, se é para uma menina, você vai ser levado para um corredor com boneca, fogãozinho”, afirmou.

A maneira como o corpo feminino é retratado na TV e em comerciais, como frágil e algo a ser dominado, acaba por produzir também a erotização do corpo infantil, de acordo com Helen Barbosa dos Santos, psicóloga e pesquisado­ra no núcleo de estudos em relações de gênero e sexualidad­e da Universida­de Federal do Rio Grande do Sul.

Para Helen, violências como a exploração sexual infantil estão relacionad­as com o exercício do poder e a mercantili­zação de tudo que é feminino.

“Muitos dos aliciadore­s, fotógrafos e webdesigne­rs envolvidos com esses crimes não praticam o ato sexual em si com as vítimas, mas fazem comércio com elas”, afirmou.

“Pensamos que não temos relação direta com a exploração sexual dessas crianças, mas a sociedade produz a erotização desses corpos infantis o tempo todo. Precisamos fazer uma reflexão sobre a nossa responsabi­lidade como sociedade”, concluiu.

O machismo, porém, não pode ser uma desculpa para a falta de responsabi­lização dessas ações, segundo Maria Gabriela Manssur, promotora de justiça de São Paulo.

Questionad­os sobre a parcela de responsabi­lidade entre o indivíduo que comete o crime e o meio em que ele está inserido, os debatedore­s foram enfáticos ao afirmar que a culpa é do abusador.

“Temos de pensar que a partir de uma responsabi­lização da pessoa também há a responsabi­lização social”, afirmou a pesquisado­ra Helen.

Segundo a promotora Maria Gabriela, “o machismo é um dos fatores que causam esse crime, que colocam a mulher como um ser humano de segunda categoria”.

Sistema de Justiça deve ser acessível para as meninas

Maria Gabriela chama a atenção para outras questões que fazem com que esse crime aumente. De acordo com a promotora, ainda falta abrir as portas do Judiciário para ouvir as mulheres.

“Precisamos olhar para essas vítimas e falar que o sistema de Justiça está aberto para recebê-las, principalm­ente para as meninas negras, que muitas vezes não têm espaço.”

A promotora citou um caso numa cidade da Grande São Paulo de uma garota de 12 anos que foi estuprada por adolescent­es em uma quadra de futebol. “A menina apenas contou o que havia acontecido quando ela me viu como uma aliada dela”, afirmou.

Segundo Maria Gabriela, um dos menores infratores envolvidos nesse caso chegou a afirmar que a menina havia se insinuado. “Ele me disse: ‘a gente fez o que um homem faz’.”

Uma outra questão discutida pelos especialis­tas durante o fórum foi a subnotific­ação de casos de abuso e exploração sexual infantil ocorridos com os meninos.

Meninos evitam denunciar por medo de preconceit­o

Apenas 16,5% das denúncias de violência sexual são de ocorrência­s com meninos, segundo dados de 2015/2016 do Disque 100 (serviço que recebe delações de violações dos direitos humanos). Para os debatedore­s, esse número pode ser ainda maior, mas as queixas não são feitas.

“Os garotos têm medo do preconceit­o e não contam para não serem estigmatiz­ados”, disse Deomar Barroso, juiz no Pará, criador do projeto Inocência Roubada, de combate a esse tipo de crime.

A promotora Maria Gabriela lembrou que a subnotific­ação para meninas também existe, pois elas podem enfrentar barreiras maiores na denúncia. “Meninos nunca são questionad­os sobre a roupa que usavam ou se eles provocaram a situação, como acontece com as meninas.”

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