Governo parece ressuscitar Sunab e controle de preço
Ex-ministro da Justiça afirma que o setor de combustíveis precisa de competição e que será difícil ANP estabelecer periodicidade de reajustes
O advogado Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, ex-ministro da Justiça (governo FHC), condena a intervenção nos preços do diesel e dos fretes, fruto da paralisação dos caminhoneiros. Trata-se, diz, de retrocesso institucional.
Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, ex-ministro da Justiça no governo FHC, diz que as medidas adotadas pelo presidente Michel Temer para acabar com a paralisação dos caminhoneiros estão “ressuscitando” o CIP (Conselho Interministerial de Preço) e a Sunab (Superintendência Nacional de Abastecimento), órgãos que ficaram famosos por tentar controlar os preços na época da hiperinflação.
“Querem resolver o problema com outras intervenções, como tabelamento de preços, que vão gerar mais problemas, com reflexos em toda a economia. É um retrocesso institucional no país”, disse Ribeiro, que também ocupou o cargo de secretário de direito econômico.
O advogado classificou como “muito difícil” a missão da ANP (Agência Nacional de Petróleo) de estabelecer periodicidade para reajustes da gasolina sem intervir na formação de preços pela Petrobras. Segundo ele, o regulador tem um “delay” em relação à empresa para reagir às variações das cotações internacionais.
Ribeiro reconhece que o setor de combustíveis precisa de regulação por causa do monopólio da estatal no refino, mas diz que as regras têm que estimular a competição, e não intervir nos preços. Quais foram os principais erros cometidos na gestão da crise dos caminhoneiros? Era uma situação muito delicada. Não quero me arvorar a resolver a crise, mas o governo não pode ficar refém de uma categoria em detrimento da sociedade, porque isso tem efeitos nefastos. É preciso frisar que essa crise é consequência de erros das gestões anteriores, como a enorme oferta de crédito subsidiado pelo BNDES para a aquisição de caminhões.
Quando veio a restrição de demanda por causa da recessão, o preço do frete caiu e estrangulou o caminhoneiro. Portanto, foi uma intervenção do Estado que desarranjou esse mercado.
Agora querem resolver com outras intervenções, como tabelamento de preços, que vão gerar mais problemas, com reflexos em toda a economia. É um retrocesso institucional no país. Por que o governo Temer reagiu à greve com medidas intervencionistas? O Brasil não tem uma tradição capitalista de concorrência. O nosso capitalismo é de compadrio. Até pouco tempo, tínhamos o CIP e a Sunab, que, de alguma maneira, parecem estar sendo ressuscitados.
Foi só a partir de 1994 que a legislação deu ao Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] a feição de um órgão de defesa da concorrência. Logo, a ideia de que a concorrência é um meio eficaz para obter menores preços e maior bem-estar para o consumidor é estranha na tradição econômica brasileira. Nos anos 80, o CIP determinava preços fixos para vários produtos num contexto de hiperinflação. Por que o senhor tem a sensação que está sendo ressuscitado? Estamos diante de um tabelamento dos preços do frete rodoviário. No CIP, as empresas submetiam a planilha de custos e o governo fixava os preços. É basicamente a mesma coisa.
É apenas um setor, mas estamos falando de um ponto nevrálgico. Temos uma matriz logística que é basicamente rodoviária num país continental, o que dá aos caminhoneiros uma posição singular no Brasil. Eles atingem desde a indústria automotiva até os criadores de frango.
A tabela do frete, portanto, interfere na economia de forma generalizada. Felizmente o governo parece estar voltando atrás. Na sexta-feira, o ministro Eduardo Guardia [Fazenda] disse que a tabela do frete rodoviário talvez não tenha sido a melhor solução. Na verdade, foi a pior solução. Se a medida provisória que estabeleceu a tabela do frete não for revogada, várias entidades prometem entrar com mandados de segurança e a CNI estuda uma ação de inconstitucionalidade. Quais são as chances de vitória? É claro que há base jurídica. Temos no Brasil uma economia de mercado. Existe a possibilidade de uma avalanche de questionamentos judiciais. De novo, estaremos levando para o Judiciário a definição de políticas públicas, o que é muito ruim.
O pior impacto, porém, é do ponto de vista institucional. Como vai ficar o Cade agora? O Cade tem condenado os tabelamentos como conduta colusiva (acordo entre as partes para prejudicar alguém).
Com essas medidas, o governo vai de encontro ao papel institucional do Cade, cujos conselheiros têm mandato e defendem uma política de Estado e não apenas de governo, que é a economia de mercado.
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, ameaçou usar poder de polícia [fiscalização] para garantir que o desconto de R$ 0,46 no litro do diesel nas refinarias chegue até os postos, conforme prometido aos caminhoneiros. Ele pode fazer isso? Juridicamente, não. Parece um pouco o Plano Cruzado e a história de pegar o boi no pasto. É um equívoco. No Brasil, os preços são livres.
O fato de o insumo estar mais barato não significa necessariamente que você seja obrigado a reduzir o preço. Onde deu certo essa experiência de conferir os preços? Você vai checar o preço num posto no interior do país? É completamente sem sentido. A ANP abriu uma consulta pública para determinar a periodicidade dos reajustes da gasolina, mas disse que não vai interferir na política de preços da Petrobras. É possível? É muito difícil. Ao subordinar ao regulador o momento de fixação do reajuste, o governo interfere de maneira artificial no mercado. O regulador tem um “delay” natural para perceber as variações em relação ao agente econômico [a empresa]. E nesse mercado de preços internacionais as mudanças são muito rápidas.
O intervalo entre a variação externa e a percepção do regulador pode ser danoso não só para a Petrobras, mas também para quem sofre os efeitos dos preços. Se o preço interno for maior que o externo, o consumidor sai prejudicado. A ANP argumenta que é preciso intervir no mercado, porque a Petrobras é, na prática, monopolista no refino de petróleo. Faz sentido? Sim. A Petrobras detém mais de 90% do refino e os novos players ainda são insuficientes para deter o seu poder de mercado. Por isso, o regulador deve atuar.
Mas qual é a melhor regulação? Não é aquela que intervém nos preços, mas a que introduz regras de concorrência que permitem ao mercado ser competitivo, elevando a oferta e reduzindo os preços ao consumidor. Existem medidas que permitiriam ao governo obter o efeito desejado de eficiência produtiva sem intervir.
Quais medidas? O próprio Cade fez várias propostas interessantes. A mais importante delas é permitir que as distribuidoras importem combustíveis diretamente. Isso é vital num mercado como o de refino, que tem uma enorme barreira à entrada, que é o custo de construção de uma refinaria.
Outra proposta interessante é que as usinas de álcool vendam diretamente aos postos, em vez de de passar pela distribuidora, o que acrescenta custos de frete. Haveria problemas de qualidade? Possivelmente, mas existem mecanismos de controle que não tolhem a concorrência.
O Cade também sugere a intensificação do uso de marcas nos postos de gasolina. Hoje um mesmo empresário tem várias bandeiras e o consumidor não sabe direito quais postos concorrem entre si. As marcas precisam aparecer mais claramente para estimular a concorrência. Uma das propostas do Cade é permitir a instalação de postos com autosserviço para reduzir os custos. Mas isso significa demitir milhares de pessoas. Vale a pena? A possibilidade de postos com autosserviço traz de volta a discussão de que vai beneficiar uma categoria —os motoristas— para prejudicar outra, a dos frentistas. Mas isso não é realidade. Seria só mais uma alternativa, que existe no mundo inteiro, que é o consumidor abastecer sozinho. Quem quiser ser atendido, irá num posto com frentista. Alguns especialistas atribuem o alto preço dos combustíveis aos impostos. Qual é a sua opinião? Independente dos tamanho dos impostos cobrados pelos governos, um ponto muito importante a ser discutido é a substituição tributária. Nos combustíveis, o ICMS é cobrado das distribuidoras, que repassam o custo para os postos para evitar sonegação.
Fui secretário de Fazenda do Pará e sei o quanto a substituição tributária é importante, mas o fato é que, para fazer a cobrança, é preciso estimar o preço que será cobrado no posto, criando uma espécie de piso para o mercado. Quando o governo pede à ANTT que estabeleça uma tabela de preços mínimos de frete ou à ANP que determine a periodicidade do reajuste da gasolina, é uma interferência indevida no papel das agências? O governo pode até pedir, mas a agência não é subordinada a ele. Na teoria, teriam absoluta liberdade para dizer ao governo quando concordam ou não como uma interferência. Parece que as agências estão fazendo o que foi solicitado porque perceberam uma crise.